domingo, 22 de agosto de 2010

monografia

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terça-feira, 3 de agosto de 2010

Cultura

Sobre o conceito de Cultura
O antropólogo brasileiro Roque Laraia aborda o desenvolvimento do conceito de cultura, imprescindível para a compreensão do paradoxo da diversidade cultural da espécie humana. Vejamos a seguir como a Antropologia debateu o conceito de cultura no decorrer da história e suas conseqüências éticas, sociais e políticas.
1. O DETERMINISMO BIOLÓGICO
Existem teorias que atribuem capacidades específicas inatas a “raças” ou a outros grupos humanos. Entretanto na atualidade a Antropologia é unânime em afirmar que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais, como escreveu Claude Levi-Strauss em 1952 (Cf. Antropologia Estrutural, 2).
Em 1950, quando o mundo se refazia da catástrofe e do terror do racismo nazista, antropólogos físicos e culturais, geneticistas, biólogos e outros especialistas, reunidos em Paris com apoio da UNESCO, redigiram uma declaração da qual citamos:
“Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segundo a qual as diferenças genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se manifestam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos étnicos. Eles nos informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam antes de tudo pela história cultural de cada grupo. Os fatores que tiveram um papel preponderante na evolução do homem são a sua faculdade de aprender e a sua plasticidade. Esta dupla aptidão é o apanágio de todos os seres humanos. Ela constitui, de fato, uma das características específicas do homo sapiens”.
“No estado atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada a validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traços psicologicamente inatos, quer se trate de inteligência ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das aptidões mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos”.
Apesar da espécie humana se diferenciar anatômica e fisiologicamente, o comportamento entre pessoas de sexos diferentes não é determinado biologicamente. Pesquisas antropológicas demonstram, que atividades atribuídas às mulheres em uma cultura podem ser atribuídas aos homens em outra. Qualquer sistema de divisão sexual de trabalho é determinado culturalmente e não em função de uma racionalidade biológica (Margareth Mead, 1971).
O comportamento dos indivíduos depende de um aprendizado, de um processo que chamamos de endoculturação. A maneira de agir feminina ou masculina em cada cultura é resultado de uma educação diferenciada.
2. O DETERMINISMO GEOGRÁFICO
O determinismo geográfico considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural. São teorias que foram desenvolvidas principalmente por geógrafos no final do século XIX e no início do século XX. A partir delas, defendia-se, por exemplo, que o clima seria um fator importante na dinâmica do progresso. Esta teoria aparece na obra Os sertões de Euclides da Cunha.
A partir de 1920, antropólogos como Boas, Wissler, Kroeber, entre outros, refutaram este tipo de determinismo e demonstraram que existe uma limitação na influência geográfica sobre os fatores culturais. É possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico.
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Marshall Sahlins também fez uma crítica à idéia do determinismo geográfico, ou seja, uma “ação mecânica das forças naturais sobre uma humanidade puramente receptiva”. A posição da Antropologia é que a “cultura age seletivamente”, e não casualmente, sobre seu meio ambiente, “explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura”.
As diferenças existentes entre os seres humanos, portanto, não podem ser explicadas em termos das limitações que lhes são impostas pelo seu aparato biológico ou pelo seu meio ambiente. A grande qualidade da espécie humana foi romper com suas próprias limitações. O ser humano difere dos outros animais por ser o único que possui cultura.
Mas o que é cultura?
3. ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO CONCEITO DE CULTURA
No final do século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se às realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês Culture, que “tomado em um amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo [ser humano] como membro de uma sociedade” (Tylor, 1871). Com esta definição, Tylor abrangia todas as possibilidades de realização humana, além de marcar o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.
Em 1871, Tylor definiu cultura como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma transmissão genética, como se diz hoje. Em 1917, Kroeber acabou de romper todos os laços entre o cultural e o biológico, postulando a supremacia do primeiro em detrimento do segundo. Tylor e depois Kroeber promoveram assim o afastamento entre os domínios do cultural e do natural. O ser humano diferenciava-se dos demais animais por dispor da possibilidade de comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos, capazes de tornar mais eficiente o seu aparato biológico. O ser humano é o único ser vivo possuidor de cultura.
Já bem antes disso John Locke (1632-1704) refutou as idéias correntes na época de princípios ou verdades inatas impressos hereditariamente na mente humana. Ensaiou também os primeiros passos do relativismo cultural ao afirmar que os seres humanos têm princípios práticos opostos.
4. O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE CULTURA
Portanto, a primeira definição de cultura do ponto de vista antropológico, pertence a E. Tylor. Ele procurou demonstrar que cultura pode ser objeto de um estudo sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução (Tylor, 1871). Tylor mais do que preocupado com a diversidade cultural, ao seu modo, preocupa-se com a igualdade existente na humanidade. A diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo de evolução. Uma das tarefas da Antropologia seria, segundo ele, a de “estabelecer, grosso modo, uma escala de civilização”, colocando as nações européias em um dos extremos da série e em outro as tribos “selvagens”, dispondo o resto da humanidade entre dois limites. É preciso compreender que ele viveu numa época em que a Europa sofria o impacto da obra Origem das espécies, de Charles Darwin e que a nascente Antropologia
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foi influenciada pela perspectiva do evolucionismo unilinear. Segundo esta abordagem, todas as culturas deveriam passar pelas mesmas etapas de evolução, o que tornava possível situar cada sociedade humana dentro de uma escala que ia da menos a mais desenvolvida.
Surgiram na década de 1860 do séc. XIX muitos estudos influenciados pela idéia de que a cultura desenvolve-se de maneira uniforme. Desta forma cada sociedade deveria passar pelas etapas, já percorridas pelas “sociedades mais avançadas”. Esta escala evolutiva não deixava de ser um processo discriminatório e etnocêntrico. Nela as diferentes sociedades humanas eram classificadas hierarquicamente, com nítida vantagem para as culturas européias.
Stocking (1968) critica Tylor por “deixar de lado toda a questão do relativismo cultural e tornar impossível o moderno conceito de cultura”. Isso se explica, pois a idéia de relativismo cultural está associada à noção de evolução multilinear. A unidade da espécie humana não pode ser explicada senão em termos de sua diversidade cultural. Apesar de Mercier considerá-lo o pai do difusionismo cultural, Tylor afastou-se dele por acreditar na “unidade psíquica da humanidade”. Para os evolucionistas do século XIX, a evolução desenvolvia-se através de uma linha única; a evolução teria raízes numa unidade psíquica através da qual todos os grupos humanos teriam o mesmo potencial de desenvolvimento, embora alguns estivessem mais adiantados que outros. Esta abordagem unilinear considerava que cada sociedade seguiria o seu curso histórico através de três estágios: selvageria, barbárie e civilização. Em oposição a esta teoria, e a partir de Franz Boas, surgiu a idéia de que cada grupo humano se desenvolve através de caminho próprio, que não pode ser simplificado na estrutura tríplice dos estágios. Esta possibilidade de desenvolvimento múltiplo constituiu o objeto da abordagem multilinear.
O método comparativo iniciado por Franz Boas (1858-1884), foi a principal reação ao evolucionismo. Boas, nascido da Alemanha, estudante de física e geografia, tornou-se antropólogo a partir do contato com os esquimós. Mudou-se para os Estados Unidos onde foi responsável pela formação de toda uma geração de antropólogos. Criticou o evolucionismo e atribuiu à antropologia duas tarefas: a) reconstruir a história de povos e regiões particulares; b) estabelecer a comparação da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis.
F. Boas propôs, em lugar do método comparativo puro e simples, a comparação dos resultados obtidos através dos estudos históricos das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes. Desenvolveu o particularismo histórico (ou a chamada Escola Cultural Americana), segundo a qual cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. A explicação evolucionista da cultura passa então a ter uma abordagem multilinear.
Alfred Kroeber (1876-1960) demonstrou que graças à cultura a humanidade se distanciou do mundo animal e o ser humano passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas. Ele afirmava que o ser humano, para se manter vivo, independente do sistema cultural ao qual pertença, tem que satisfazer um número determinado de funções vitais, como a alimentação, o sono, a respiração, a atividade sexual etc. Mas, embora estas funções sejam comuns a toda a humanidade, a maneira de satisfazê-las varia de uma cultura para outra. É esta grande variedade na operação de um número tão pequeno de funções que faz com que o ser humano seja considerado um ser predominantemente cultural. Os seus comportamentos não são biologicamente determinados. A sua herança genética nada tem a ver com as suas ações e pensamentos, pois todos os seus atos dependem inteiramente de um processo de aprendizado. O ser humano criou seu próprio processo evolutivo, o que possibilitou a sua expansão por todos os recantos da terra. O ser humano modifica o seu ambiente e assim pode manter inalterado
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o seu corpo original onde quer que ele esteja (Ex.: Iglu, a habitação dos Esquimós nas terras geladas do hemisfério norte).
Contrariando a noção de cultura, o senso comum, entre os diferentes setores de nossa população, possui um entendimento de que as qualidades (positivas ou negativas) são adquiridas graças à transmissão genética. A divulgação da teoria de Cesare Lombroso (1835-1909) muito contribuiu para o reforço desta percepção. Este criminalista italiano procurou correlacionar aparência física com tendência para comportamentos criminosos. Sua teoria não apenas encontrou grande receptividade popular como até bem pouco tempo era ministrada em alguns cursos de Direito como verdade científica. Esse tipo de explicação facilmente se tem associado a diferentes tipos de discriminação social e racial, numa tentativa de justificar as diferenças sociais.
O ser humano é herdeiro do meio cultural em que foi socializado, resultado de um longo processo acumulativo. Este meio cultural aparece como reflexo do conhecimento e da experiência adquiridas pelas numerosas gerações anteriores. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural, e não apenas as potencialidades individuais, é que permite a existência de inovações e de invenções (Ex.: Santos Dumont e a aviação).
A contribuição de Kroeber para ampliação do conceito de cultura pode ser assim resumida:
- A cultura, mais do que a herança genética, determina o comportamento do ser humano e justifica as suas realizações.
- O ser humano age de acordo com seus padrões culturais.
- A cultura é o meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos. O ser humano, através dela, foi capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e transformar toda a terra em seu habitat.
- Adquirindo cultura, o ser humano passou a depender muito mais do aprendizado do que da ação através de atitudes geneticamente determinadas. É este processo de aprendizagem, socialização ou endoculturação, que determina o seu comportamento e a sua capacidade artística ou profissional.
- A cultura é um processo acumulativo resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo.
Laraia menciona a seguir algumas controvérsias em relação à teoria de Kroeber.
Cultura como instinto: Desde muito cedo, tudo que o ser humano fizer não será mais determinado por instintos, mas pela imitação dos padrões culturais da sociedade em que vive. Tudo que fizer foi aprendido com seus semelhantes e não decorrência de imposições originadas fora da cultura.
Cultura como um processo acumulativo: Através da comunicação o ser humano, no decorrer de sua vida, vai recebendo informações sobre todo o conhecimento acumulado pela cultura em que vive. Este conhecimento adquirido, associado a sua capacidade de observação e de invenção, caracteriza sua identidade humana. Toda a experiência de um indivíduo, ao ser transmitida aos demais, cria um interminável processo de acumulação. A comunicação é um processo cultural, ou melhor, a linguagem humana é um produto da cultura. A cultura por outro lado só existe pela possibilidade do ser humano desenvolver um sistema articulado de comunicação oral.
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5. IDÉIA SOBRE A ORIGEM DA CULTURA
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss considera que a cultura surgiu no momento em que o ser humano convencionou a primeira regra ou norma, que seria a proibição do incesto. Este é um padrão de comportamento comum às sociedades humanas, pois todas proíbem a relação sexual de um homem com certas categorias de mulheres e vice-versa. A nossa cultura ocidental proíbe a relação de um homem com sua mãe, sua filha ou sua irmã. A infração a esta regra cultural é passível de sanções. Leslie White, antropólogo norteamericano, considera que a passagem do estado animal para o humano ocorreu quando o ser humano foi capaz de gerar símbolos. Para perceber o significado de um símbolo é necessário conhecer a cultura que o criou. “Todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. (...) Toda cultura depende de símbolos. É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura (...). O comportamento humano é um comportamento simbólico. (...) E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo” (Leslie White, 1955).
O conhecimento científico atual está convencido que o salto da natureza para a cultura foi contínuo e incrivelmente lento. Clifford Geertz, antropólogo norte-americano, mostra em seu artigo “A transição para a humanidade” (1966) como a paleontologia humana demonstrou que o corpo humano se formou aos poucos e não por saltos.
6. TEORIAS MODERNAS SOBRE A CULTURA
Uma das tarefas da Antropologia moderna tem sido a reconstrução do conceito de cultura. Roger Keesing, em seu artigo “Teorias da Cultura”, classifica algumas destas tentativas, referindo-se inicialmente às teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo. Esta posição, difundida pelos neo-evolucionistas como Leslie White, foi reformulada por Sahlins, Harris, Carneiro, Rappaport, Vayda e outros que, apesar das fortes divergências entre si, concordam que:
- “Culturas são sistemas (de padrões de comportamento socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante.”
- “Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação equivalente à seleção natural.” O ser humano “é um animal e, como todos os animais, deve manter uma relação adaptativa com o meio circundante para sobreviver. Embora ele consiga esta adaptação através da cultura, o processo é dirigido pelas mesmas regras de seleção natural que governam a adaptação biológica”. (B. Meggers, 1977).
- “A tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da organização social diretamente ligada à produção constituem o domínio mais adaptativo da cultura. É nesse domínio que usualmente começam as mudanças adaptativas que depois se ramificam. Existem, entretanto, divergências sobre como opera este processo. Estas divergências podem ser notadas nas posições do materialismo cultural, desenvolvido por Marvin Harris, na dialética social dos marxistas, no evolucionismo cultural de Elman Service e entre os ecologistas culturais, como Steward.”
- “Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter conseqüências adaptativas no controle da população, da subsistência, da manutenção do ecossistema, etc.”
Em segundo lugar, Roger Keesing refere-se às teorias idealistas de cultura, que subdivide em três diferentes abordagens.
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1) Cultura como sistema cognitivo: Estudo dos sistemas de classificação. Para Goodenough, cultura é um sistema de conhecimento. Keesing considera que a cultura assim concebida situa-se epistemologicamente no mesmo domínio da linguagem, talvez por isso a antropologia cognitiva tenha se apropriado dos métodos lingüísticos.
2) Cultura como sistemas estruturais: Perspectiva desenvolvida por Claude-Lévi-Strauss, “que define cultura como um sistema simbólico como uma criação acumulativa da mente humana. O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais – mito, arte, parentesco e linguagem – os princípios da mente que geram estas elaborações culturais”. Lévi-Strauss formula uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade. Assim, os paralelismos culturais são por ele explicados pelo fato de que o pensamento humano está submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios – tais como a lógica dos contrastes binários, de relações e transformações – que controlam as manifestações empíricas de um dado grupo.
3) Cultura como sistemas simbólicos: Esta posição foi desenvolvida nos Estados Unidos principalmente pelos antropólogos Clifford Geertz e David Schneider. Geertz busca uma definição de ser humano baseada na definição de cultura e tenta resolver o paradoxo de uma imensa variedade cultural que contrasta com a unidade da espécie humana. Para isso a cultura deve ser considerada “um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instruções (...) para governar o comportamento”. Símbolos e significados são partilhados pelos membros do sistema cultural entre eles, mas não dentro deles. São públicos e não privados. Estudar a cultura é, portanto, estudar um código de símbolos compartilhados pelos membros dessa cultura. Geertz considera que a cultura busca interpretações e a interpretação de um texto cultural será sempre uma tarefa difícil e vagarosa. De forma distinta, David Schneider afirma que: “Cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre relações e modos de comportamento”.
R. Laraia salienta que esta discussão não terminou e que provavelmente nunca terminará, pois a compreensão exata do conceito de cultura significa a compreensão da própria natureza humana. Ele conclui com uma citação de Murdock (1932): “Os antropólogos sabem de fato o que é cultura, mas divergem na maneira de exteriorizar este conhecimento”.
Texto baseado no livro: LARAIA, Roque de Barros. Cultura - Um conceito antropológico.
3ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. Seleção e redação: Lori Altmann

Antropologia

http://www.arq.ufsc.br/urbanismoV/artigos/artigos_ mr.html
Artigos e Outros Trabalhos
Você tem cultura?
da MATTA, Roberto**
Outro dia ouvi uma pessoa dizer que "Maria não tinha cultura", era "ignorante dos fatos básicos da política, economia e literatura". Uma semana depois, no Museu onde trabalho, conversava com alunos sobre "a cultura dos índios Apinayé de Goiás", que havia estudado de 1962 até 1976, quando publiquei um livro sobre eles (Um mundo dividido). Refletindo sobre os dois usos de uma mesma palavra, decidi que esta seria a melhor forma de discutir a idéia ou o conceito de cultura tal como nós, estudantes da sociedade a concebemos. Ou, melhor ainda, apresentar algumas noções sobre a cultura e o que ela quer dizer, não como uma simples palavra, mas como uma categoria intelectual um conceito que pode nos ajudar a compreender melhor o que acontece no mundo em nossa volta.
Retomemos os exemplos mencionados porque eles encerram os dois sentidos mais comuns da palavra. No primeiro, usa-se cultura como sinônimo de sofisticação, de sabedoria, de educação no sentido restrito do termo. Quer dizer, quando falamos que "Maria não tem cultura", e que "João é culto", estamos nos referindo a um certo estado educacional destas pessoas, querendo indicar com isto sua capacidade de compreender ou organizar certos dados e situações. Cultura aqui é equivalente volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser confundido com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de fato a inteligência), fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou ao quadros e pintores que pode, de memória, enumerar. Como uma espécie de prova desta associação, temos o velho ditado informando que "cultura não traz discernimento"... ou inteligência, como estou discutindo aqui. Neste sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade ("as gerações mais novas são incultas"), etnia ("os pretos não tem cultura") ou mesmo sociedades inteiras, quando se diz que "os franceses são cultos e civilizados" em oposição aos americanos que são "ignorantes e grosseiros". Do mesmo modo é comum ouvir-se referências à humanidade, cujos valores seguem tradições diferentes e desconhecidas, como a dos índios, como sendo sociedades que estão "na Idade da Pedra" e se encontram em "estágio cultural muito atrasado". A palavra cultura, enquanto categoria do senso-comum, ocupa como vemos um importante lugar no nosso acervo conceitual, ficando lado-a-lado de outras, cujo uso na vida cotidiana é também muito comum. Estou me lembrando da palavra "personalidade" que, tal como ocorre com a palavra "cultura", penetra o nosso vocabulário com dois sentidos bem diferenciados. No campo da Psicologia, personalidade define o conjunto dos traços que caracterizam todos os seres humanos. É aquilo que singulariza todos e cada um de nós como uma pessoa diferente, com interesses, capacidades e emoções particulares. Mas na vida diária, personalidade é usada como um marco para algo desejável e invejável de uma pessoa. Assim, certas pessoas teriam "personalidade" outras não! É comum se dizer que "João tem personalidade" quando de fato se quer indicar que "João tem magnetismo", sendo uma pessoa de "presença". Do mesmo modo, dizer que "João não tem personalidade", quer apenas dizer que ele não é uma pessoa atraente ou inteligente.
Mas no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista da Novela das Oito. Mesmo urna pessoa "sem personalidade" tem, paradoxalmente, personalidade na medida em que ocupa um espaço social e físico e tem desejos e necessidades. Pode ser uma pessoa sumamente apagada, mas ser assim é precisamente o traço marcante de sua personalidade. No caso do conceito de cultura ocorre o .mesmo, embora nem todos saibam disso. De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Podem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu normas que
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dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de comportamento diante de certas situações. Por outro lado, a cultura não é um código que se escolhe simplesmente. É algo que está dentro e fora de cada um de nós, como as regras de um jogo de futebol, que permitem o entendimento do jogo e, também, a ação de cada jogador, juiz, bandeirinha e torcida. Quer dizer, as regras que formam a cultura (ou a cultura como regra) é algo que permite relacionar indivíduos entre si e o próprio grupo com o ambiente onde vivem. Em geral, pensamos a cultura como algo individual que as pessoas inventam, modificam e acrescentam na medida de sua criatividade e poder. Daí falarmos que Fulano é mais culto que Sicrano e distinguirmos formas de "cultura" supostamente mais avançadas ou preferidas que outras. Falamos então em "alta cultura'' e "baixa cultura" ou "cultura popular", preferindo naturalmente as formas sofisticadas que se confundem com a própria idéia de cultura. Assim, teríamos a cultura e culturas particulares e adjetivadas.(popular, indígena, nordestina, de classe baixa, etc.) como formas secundárias, incompletas e inferiores de vida social.
Mas a verdade é que todas as formas culturais ou todas as "sub-culturas" de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por uma outra "sub-cultura". Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. 0 problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma: forma de exclui-la. Um outro modo de perceber e enfrentar a diferença cultural é tomar a diferença como um desvio, deixando de buscar seu papel numa totalidade. Desta forma, podemos ver o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa, sem nos darmos conta de que as festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda relação de complementaridade. Realmente, se no terreno da festa religiosa somos marcados pelo mais profundo comedimento e respeito polo foco no "outro mundo" é porque no carnaval podemos nos apresentar realizando o justo oposto.
Assim, o carnavalesco e o religioso não podem ser classificados em termos de superior ou inferior ou como articulados a uma. "cultura autêntica" e superior, mas devem ser vistos nas suas relações que são complementares. O que significa dizer que tanto há cultura no carnaval quanto na procissão e nas festas cívicas, pois que cada uma delas é um código capaz de permitir um julgamento e uma atuação sobre o mundo social no Brasil. Como disse uma vez, essas festas nos revelam leituras da sociedade brasileira por nós mesmos e é nesta direção que devemos discutir o conteúdo e a. forma de cada cultura ou sub-cultura em uma sociedade (veja-se o meu livro, Carnavais; Malandros e Heróis).
No sentido antropológico, portanto, a cultura é um conjunto de regras que nos diz como o mundo pode e deve ser classificado. Ela, como os textos teatrais, não pode prever completamente como iremos nos sentir em cada papel que devemos ou temos necessariamente que desempenhar, mas indica maneiras gerais e exemplos de como pessoas que viveram antes de nós os desempenharam. Mas isso não impede, conforme sabemos, emoções. Do mesmo modo que um jogo de futebol com suas regras fixas não impede renovadas emoções em cada jogo.
É que as regras apenas indicam os limites e apontam os elementos e suas combinações explícitas. O seu funcionamento e, sobretudo, o modo pelo qual elas engendram novas combinações em situações concretas é algo que só a realidade pode dizer. Porque embora cada cultura contenha um conjunto finito de regras, suas possibilidades de atualização, expressão e reação em situações concretas, são infinitas.
Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre. os homens e as sociedades. Elas não seriam dadas, de uma vez por todas, por meio de um meio geográfico ou de uma raça, como diziam os estudiosos do passado, mas em diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece no decorrer de sua.
Mas é importante acentuar que a base destas configurações, é sempre um repertório comum de potencialidades. Algumas sociedades desenvolveram algumas dessas potencialidades mais e melhor do que outras, mas isso não significa que elas sejam mais pervertidas ou mais adiantadas. 0 que isso parece indicar é, antes de mais nada, o enorme potencial que cada cultura encerra, como elemento plástico, capaz de receber as variações e motivações dos seus membros, bem como os desafios externos. Nosso sistema caminhou na direção de um poderoso controle sobre a natureza, mas isso é apenas um traço entre muitos outros. Há sociedades na Amazônia onde o controle da natureza é muito pobre, mas onde existe urna enorme sabedoria relativa ao equilíbrio entre os homens e os grupos cujos interesses são divergentes. O respeito pela vida que todas as sociedades
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indígenas nos apresentam, de modo tão vivo, pois que os animais são seres incluídos na formação e discussão de sua moralidade e sistema político, parece se constituir não em exemplo de ignorância e indigência lógica, mas em verdadeira lição, pois respeitar a vida deve certamente incluir toda a vida e não apenas a vida humana. Hoje estamos mais conscientes do preço que pagamos pela exploração desenfreada do mundo natural sem a necessária moralidade que nos liga inevitavelmente às plantas, aos animais, aos rios e aos mares.
Realmente, pela escala destas sociedades tribais, somos uma sociedade de bárbaros, incapazes de compreender .o significado profundo dos elos que nos ligam com todo o mundo em escala. global. Pois é assim que pensam os índios e por isso que as suas histórias são povoadas de animais que falam e homens que se transformam em animais. Conosco, são as máquinas que tomam esse lugar...
O conceito de cultura, ou, a cultura como conceito, então, permite uma perspectiva mais consciente de nós mesmos. Precisamente porque diz que não há homens sem cultura e permite comparar culturas e configurações culturais como entidades iguais, deixando de estabelecer hierarquias em que inevitavelmente existiriam sociedades superiores e inferiores. Mesmo diante de formas culturais aparentemente irracionais, cruéis ou pervertidas, existe o homem a entendê-las - ainda que seja para evitá-las, como fazemos com o crime - é uma tarefa inevitável que faz parte da condição de ser humano e viver num universo marcado e demarcado pela cultura. Em outras palavras, a cultura permite traduzir melhor a diferença entre nós e os outros e, assim fazendo, resgatar a nossa humanidade no outro e a do outro em nós mesmos. Num mundo como o nosso, tão pequeno pela comunicação em escala planetária, isso me parece muito importante. Porque já não se trata somente de fabricar mais e mais automóveis, conforme pensávamos em 1950, mas desenvolver nossa capacidade para enxergar melhores caminho para os pobres, os marginais e os oprimidos. E isso só se faz com uma atitude aberta para as formas e configurações sociais que, como revela o conceito de cultura, estão dentro e fora de nós. Num país como o nosso, onde as formas hierarquizantes de classificação cultural sempre foram dominantes, onde a elite sempre esteve disposta a auto-flagelar-se dizendo que não temos uma cultura, nada mais saudável do que esse exercício antropológico de descobrir que a fórmula negativa - esse dizer que não temos cultura é, paradoxalmente, um modo de agir cultural que deve ser visto, pesado e talvez substituído por uma fórmula mais confiante no nosso futuro e nas nossas potencialidades.