quarta-feira, 20 de outubro de 2010

“A raça – não a biológica, aferida pela estrutura do DNA, mas a social, aquela que é definida nas relações sociais, que emerge do reconhecimento socialmente conferido aos indivíduos, a partir de aspectos e estereótipos físicos, culturais, comportamentais, etc – condiciona no Brasil, diferentes possibilidades e barreiras no acesso à riqueza social. E essas barreiras são enfrentadas, em maior ou menor grau, por algo em torno de 45% da população – os pretos e pardos, segundo as estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Isto é uma evidência suficiente para que a agenda das desigualdades raciais ocupe posição nuclear em qualquer interpretação do Brasil, bem como em intervenções concretas através de políticas públicas”

(SANTOS, Renato Emerson dos. e LOBATO, Fátima - orgs. AÇÕES AFIRMATIVAS. Políticas públicas contra as desigualdades raciais. Coleção Políticas da Cor. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; p.8)

“Do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais o indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas o indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia, raça, etc.”

(PIOVESAN, Flávia. apud SANTOS, Renato Emerson dos. e LOBATO, Fátima - orgs. AÇÕES AFIRMATIVAS. Políticas públicas contra as desigualdades raciais. Coleção Políticas da Cor. Rio de Janeiro: DP&A, 2003; p.20)
http://metodistadosul.eduead.com.br/eduead-20102/file.php/82/aula10/documentos/antrop_mod04_10_relacoes_poder_seminario.pdf

Relações de Poder, conceitos

O Estado no Brasil resultou de uma enorme operação de conquista e ocupação de parte do Novo Mundo, empreendimento no qual se associaram a Coroa portuguesa, através dos seus agentes, e a Igreja Católica, representada primeiramente pelos jesuítas. Política e ideologicamente foi uma aliança entre o Absolutismo ibérico e a Contra-Reforma religiosa, preocupada com a posse do território recém descoberto e com a conversão dos nativos ao cristianismo. Naturalmente que transcorrido mais de 450 anos do lançamento dos seus fundamentos, o Estado brasileiro assumiu formas diversas, sendo gradativamente nacionalizado e colocado a serviço do desenvolvimento econômico e social.
Em primeiro lugar, o que significa, hoje, ser brasileiro? Somos tantas culturas, tantos brasis, tantas misturas, que se pode dizer que somos ninguém. Mas também se pode pensar o contrário: o amálgama cultural e étnico que nos dá estofo possibilitou o surgimento de uma nova identidade, que concilia todas aquelas que a formaram. Sem dúvida, estas concepções são diametralmente opostas.
Mais ainda: reduzem o problema em questão a uma bipolaridade simplificadora. É necessário ampliar as possibilidades de interpretação das questões da etnicidade e da identidade - especialmente aquela surgida a partir dos imigrantes - no Brasil.
O que é ser brasileiro? Será mesmo que faz sentido falar desse "ser"? É fácil afirmar a existência da nação brasileira, se atentarmos apenas para os aspectos geográficos, jurídicos ou diplomáticos. E definir a identidade brasileira como o atributo, a etiqueta do conjunto populacional, ou dos indivíduos, que vivem dentro desse quadro formal.
Mas parece que Nação e identidade nacional exigem algo mais. Como, por exemplo, um consenso em torno de certos valores, e uma diferença entre ele e outros tipos de consenso, ou entre diferentes consensos nacionais. Ora, desde os fins do século XIX, muitos têm duvidado seja da coesão brasileira seja da diferença específica do Brasil.
Hoje essas dúvidas se acham reforçadas, face às três categorias de indagações:
a) Como poderia haver consenso de base num país caracterizado historicamente por consideráveis desigualdades econômicas, sociais, culturais e políticas - entre classes, etnias e regiões - e, no momento, pelo agravamento das dificuldades sócio-econômicas? Principalmente se observarmos o aumento da marginalidade, da criminalidade, do "enclausuramento" dos ricos e poderosos - fenômenos que parecem assinalar, aos olhos de alguns, a ressurreição, perversa, de uma sociedade de estamentos.
b) Como poderia o nível nacional manter uma significação central de identidade nacional, se o que presenciamos é a proliferação das identidades locais, de bairro em particular?
c) Não é também o nível nacional minado por cima, devido ao crescente cosmopolitismo da cultura? Mesmo porque esse cosmopolitismo não é igualitário, e repercute no seu âmbito as dissimetrias e desigualdades que acompanham a internacionalização da economia.
Desigualdades raciais no Brasil
Roberto Borges Martins (*)
(*) Presidente do IPEA. Os dados referentes à atualidade brasileira são parte do projeto “Desigualdades raciais no Brasil”, em desenvolvimento no IPEA, sob a coordenação de Ricardo Henriques
“Quando alguém prende uma corrente no pescoço de um escravo, a outra ponta dessa corrente se enrosca no seu próprio pescoço”
Ralph Waldo Emerson. Compensations
Fundamento Histórico
• Na origem das extremas desigualdades raciais observadas no Brasil está o fato óbvio de que os africanos e muitos dos seus descendentes foram incorporados à sociedade brasileira na condição de escravos.
• A chamada “escravidão moderna” foi uma das formas mais radicais de exclusão econômica e social já inventadas pelo homem.
• As desigualdades entre as raças observadas no Brasil de hoje nada mais são, portanto, que o resultado cumulativo das desvantagens iniciais transmitidas através das gerações.
• As políticas de “ação afirmativa” ou “discriminação positiva” são instrumentos de que a sociedade dispõe para compensar essas desvantagens impostas às vítimas da escravidão e seus descendentes, com o objetivo de colocá-los na mesma condição competitiva que os outros segmentos da sociedade.
• Numa linguagem bem direta, pode-se dizer que se trata apenas de “pagar os atrasados” ou de “recuperar o tempo perdido”.
• “Tratar desigualmente os desiguais para promover a igualdade”
O Brasil foi
• A segunda maior nação escravista da era moderna
• O último país do mundo ocidental a abolir a escravidão (1888)
• O penúltimo país da América a abolir o tráfico de escravos (1850)
• O maior importador de toda a história do tráfico atlântico
O Brasil tem hoje
• A segunda maior população negra (afrodescendente) do mundo, com cerca de 80 milhões de indivíduos, só sendo superado pela Nigéria.
Cronologia da abolição da escravidão na América
Saint Domingue (Haiti) 1804
Chile 1823
Províncias Unidas da América Central 1824
México 1829
Uruguai 1842
Colônias suecas 1847
Colônias dinamarquesas 1848
Colônias francesas 1848
Bolívia 1851
Colômbia 1851
Equador 1852
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Argentina 1853
Venezuela 1854
Peru 1855
Colônias holandesas 1863
Estados Unidos 1863
Porto Rico 1873
Cuba 1886
Brasil 1888
Tráfico atlântico de escravos, 1451- 1870 (milhares de pessoas)
Destino 1451-1600 1601-1700 1701-1810 1811-1870 Total
Estados Unidos 0 0 376 51 427
América Espanhola 75 293 579 606 1.552
Caribe Britânico 0 264 1.401 0 1.665
Caribe Francês 0 156 1.320 96 1.572
Caribe Holandês e Dinamarquês 0 44 484 0 528
Europa e Ilhas Atlânticas 150 25 0 0 175
Brasil 50 560 1.891 1.145 3.647
Total 275 1.341 6.052 1.898 9.566
Fonte : Philip D. Curtin. The Atlantic Slave Trade. A Census (1969), p. 88
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Disseminação da propriedade de escravos
Suporte social e ético do regime
• A propriedade de escravos era amplamente disseminada na sociedade brasileira (muito mais que nos Estados Unidos ou no Caribe)
• Durante quase 4 séculos o regime escravista contou com uma ampla base de sustentação social, ideológica, política e religiosa. A Igreja Católica nunca combateu a escravidão negra
•Não havia clivagens regionais, como nos EUA : a escravidão era aceita e praticada em todo o território brasileiro
• No censo do Império (1872) havia escravos em todos os 643 municípios brasileiros
• Ao contrário da lenda perpetuada pela literatura abolicionista, a sociedade não rejeitava éticamente a escravidão
• Ter escravos ou traficar com escravos não era vergonhoso, nem estigmatizante, mas sim um sinal de status, de riqueza e de prestígio. A maior parte dos grandes traficantes e dos grandes proprietários recebeu títulos de nobreza do Império
• Até depois da Guerra do Paraguai quase não se encontra nenhuma oposição ao regime servil na literatura, na imprensa, na jurisprudência ou no parlamento
• O movimento abolicionista, quando surgiu, foi inteiramente secular - a Igreja Católica não participou dele
• Possuíam escravos tanto o grande fazendeiro, o grande minerador, o grande comerciante, o general e o bispo, como o pequeno lavrador, o faiscador, o pequeno funcionário, o tropeiro, o artesão, o vendeiro e o cura da aldeia
• Mas também tinham cativos o sacristão, a viúva pobre, o negro e o mulato forros, e até alguns escravos
• O governo tinha cativos (os “escravos da nação”), assim como as ordens religiosas, os conventos e a família imperial
• As companhias mineradoras inglesas tinham muitos – no Gongo Soco encontramos negros batizados como Otello, Byron e Macbeth, além de inúmeras Pollys, Mollys e Peggies
• Em Minas Gerais, em 1831, 34% dos domicílios possuía escravos (dois terços destes tinham de 1 a 5 indivíduos)
• Em 1862, encontramos cativos em 25% dos “fogos” mineiros
• Em 1828, 25% dos domicílios paulistas possuíam escravos
• Em 1998, 30% dos domicílios brasileiros tinham telefone
• Em 1997, 24% dos domicílios mineiros tinham automóvel
Brasil : Características da população no Recenseamento do Império, 1872
População População População População População %
Livre afro Escrava Total afro Não-afro Total Afrodescendente
Côrte 71.418 48.939 120.357 154.615 274.972 43,8
RS 84.992 69.685 154.677 292.285 446.962 34,6
Maranhão 170.615 75.272 245.887 114.753 360.640 68,2
São Paulo 207.517 156.612 364.129 473.225 837.354 43,5
Rio de Janeiro 187.251 306.425 493.676 325.928 819.604 60,2
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Pernambuco 449.115 89.028 538.143 303.396 841.539 63,9
Bahia 837.816 167.824 1.005.640 373.976 1.379.616 72,9
Minas Gerais 830.255 381.893 1.212.148 890.541 2.102.689 57,6
Demais províncias1.487.083 250.202 1.737.285 1.310.400 3.047.685 57,0
Brasil 4.326.063 1.545.880 5.871.943 4.239.118 10.111.061 58,1
Fonte : Recenseamento Geral do Império do Brasil (1872) (Dados corrigidos pela DGE)
Brasil : População por cor, 1890
Brancos Pretos e Pardos Total % Afro
Minas Gerais 1.292.716 1.891.383 3.184.099 59,4
Bahia 491.336 1.428.466 1.919.802 74,4
Pernambuco 423.900 606.324 1.030.224 58,9
São Paulo 873.423 511.330 1.384.753 36,9
Rio de Janeiro 376.661 500.223 876.884 57,0
Ceará 358.619 447.068 805.687 55,5
Alagoas 158.927 352.513 511.440 68,9
Demais Estados 2.326.616 2.294.710 4.621.326 49,7
Brasil 6.302.198 8.032.017 14.334.215 56,0
Fonte : Recenseamento do Brasil, 1890
Brasil : População por cor, 1991
Pretos e Pardos Indígenas Outros Total (1) % Afro % Indígena
Bahia 9.390.270 16.030 2.408.569 11.814.869 79,5 0,14
São Paulo 8.025.592 13.166 23.340.455 31.379.213 25,6 0,04
Minas Gerais 7.599.242 6.112 8.104.328 15.709.682 48,4 0,04
Rio de Janeiro 5.676.677 8.957 7.038.782 12.724.416 44,6 0,07
Pernambuco 4.750.122 10.578 2.357.474 7.118.174 66,7 0,15
Ceará 4.478.578 2.692 1.871.226 6.352.496 70,5 0,04
Maranhão 3.878.951 15.673 1.019.687 4.914.311 78,9 0,32
Pará 3.859.348 16.134 1.051.675 4.927.157 78,3 0,33
Outros Estados 21.992.411 204.793 29.143.390 51.340.594 42,8 0,40
Brasil 69.651.191 294.135 76.335.586 146.280.912 47,6 0,20
Fonte : IBGE, Recenseamento do Brasil, 1991
Nota : Não há declaração de cor para 534.895 indivíduos.
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Brasil : População por cor, 1999
Pretos e Pardos Indígenas Outros Total (1) % Afro % Indígena
Bahia 10.093.894 29.780 2.902.497 13.026.171 77,5 0,23
São Paulo 9.626.584 26.940 26.287.808 35.941.332 26,8 0,07
Minas Gerais 8.164.656 11.463 9.165.602 17.341.721 47,1 0,07
Rio de Janeiro 5.286.723 2.337 8.547.758 13.836.818 38,2 0,02
Pernambuco 4.876.897 3.836 2.713.444 7.594.177 64,2 0,05
Ceará 4.811.455 611 2.316.496 7.128.562 67,5 0,01
Maranhão 4.076.339 3.296 1.351.219 5.430.854 75,1 0,06
Pará 2.379.879 5.920 812.528 3.198.327 74,4 0,19
Outros Estados 23.372.004 177.557 33.287.557 56.837.118 41,1 0,31
Brasil 72.688.431 261.740 87.384.909 160.335.080 45,3 0,16
Fonte : IBGE, PNAD 1999
A construção da negação
Do mito da “escravidão cordial” ao mito da “democracia racial”
• A idéia de que a escravidão no Brasil era “mais branda” ou “mais suave” do que nos EUA ou no Caribe tem suas raízes no próprio período escravista
• Foi retomada por alguns historiadores no século XX (Oliveira Viana, Carolina Nabuco, Artur ramos, Donald Pierson, Mary Wilhelmine Williams, Percy A. Martin e, principalmente, Harry Johnston (1910), Gilberto Freyre (1922, 1933), Frank Tannebaum (1946) e Stanley Elkins (1959)
• Ficou conhecida na literatura como a “tese Freyre-Tannebaum-Elkins”
• Totalmente desmoralizada hoje (Roger Bastide, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Florestan Fernandes [UNESCO], Marvin Harris, Sidney Mintz, etc.), mas teve papel importante na fixação do mito da democracia racial no Brasil
• Gilberto Freyre. Casa Grande e Senzala (1933) :
• A escravidão afetuosa ou A senzala vista da varanda da casa grande
- uma visão idílica da escravidão e da “civilização do engenho”
- Um sistema patriarcal, paternalista, cordial, afetivo
- intensa troca cultural entre escravos e senhores
- intenso relacionamento sexual e miscigenação
- Foi o “gênio colonial português” que construiu essa civilização
• Muito mais direto e explícito em 1922, em “Social Life in Brazil in the Middle of the Nineteenth Century”. HAHR (1922)
- Escravos eram bem alimentados, bem abrigados, bem vestidos e bem tratados em geral
- “The Brazilian slave lived like a cherub if we contrast his lot with that of the English and other European factory workers in the middle of the last century”
Frank Tannebaum. Slave and Citizen. The Negro in the Americas (1946)
• Baseia seu argumento na comparação de algumas características :
- Colonização ibérica x colonização anglo-saxônica
- Catolicismo ibérico x catolicismo francês x protestantismo
- Tradição legal ibérica, convivência secular com regime escravista
- Experiência ibérica de convívio interracial
“Humanidade” do escravo brasileiro x bestialidade (chattel) nos EUA
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• Estatuto legal da escravidão brasileira garantia garantia direito ao casamento e à família, direito de mudar de dono, direito de propriedade, direito de comprar sua própria liberdade
• Evidências :
- incidência de manumissão
- relacionamento sexual, miscigenação
- sistema aberto, com possibilidade de mobilidade
- abolição pacífica
Da visão da escravidão mais branda e mais humanizada os defensores dessa tese inferiram vários corolários sobre as relações raciais no Brasil pós-abolição :
• “In Brazil the freed Negroes were free men, not freedmen” (Tannebaum)
• Depois da abolição os ex-escravos adquiriram cidadania imediata, fundindo-se na população livre com plenos direitos, sem restrições legais e sem segregação
Visões como essas, junto com a afirmação formal da igualdade (inexistência de aparato legal de segregação) e a ausência de violência interracial, criaram, e mantém até hoje, a mentira da democracia racial, ou seja a idéia de que a sociedade brasileira oferece oportunidades iguais para todos, independentemente de sua raça ou cor
Esse é um dos mitos mais arraigados da cultura brasileira.
Racismo e desigualdade racial são anátemas no Brasil.
Recentemente tem surgido até mesmo um renascimento da tese da “escravidão cordial”
Desigualdades raciais no Brasil hoje: a realidade desmente o mito
• Mais de um século depois da abolição, as desvantagens e desigualdades geradas pelo regime escravista permanecem entre nós, e continuam sendo transmitidas entre as gerações
• Todas as outras sociedades escravistas da América tiveram mais sucesso que o Brasil na superação das desigualdades raciais
• No Brasil persistem grandes diferenças entre os indicadores socioeconômicos de brancos e negros e, o que é mais grave,vários desses indicadores não tem uma trajetória convergente
• Apesar disso, a sociedade brasileira continua negando a existência do problema e a necessidade de enfrentá-lo
Educação
Brasil: taxa de analfabetismo (população de 25 anos ou mais), 1999
Brancos 10,4
Pardos 25,2
Negros 25,9
Brasil: Porcentagem de adultos com x anos de estudo, 1999
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0510152025300481116 ou maisBrancosPardosNegros
Brasil: Escolaridade média (anos de estudo) da população adulta, 1999
Pretos 4,2
Pardos 4,4
Brancos 6,6
Mercado de Trabalho
Brasil: Índice do rendimento médio na ocupação principal, 1999
Observado Ajustado 1 Ajustado 2
Brancos 100 100 100
Pardos 49 - -
Negros 46 - -
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Pardos+Negros 48 81 84
Desemprego
Brasil: taxa de desemprego, por gênero e por cor, 1999
Homens Mulheres
Brancos 7,5 12,5
Pardos 9,2 15,6
Negros 11 16,5
Renda e pobreza
Brasil : Renda domiciliar per capita média mensal, 1992 e 1999 (em reais de 1999)
1992 1999 Negros como % dos brancos
Total Brancos Negros Total Brancos Negros 1992 1999
Brasil 232 308 137 298 401 170 44 42
Centro Oeste 240 326 162 316 428 218 50 51
Nordeste 127 190 103 167 258 128 54 50
Norte 170 242 140 213 307 176 58 57
Sudeste 292 351 174 376 461 211 50 46
Sul 266 288 141 339 371 166 49 45
Metropolitana 327 415 196 421 548 237 47 43
Rural 98 133 70 123 170 84 52 50
Urbana 228 296 137 290 379 173 46 46
Fonte: IPEA, com base na Pesquisa Nacional por amostra de domicílios (PNAD) 1992 e 1999
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Brasil : Proporção e número de pobres e de indigentes, por cor, 1992 e 1999
Proporção (%) Número (milhares)
1992 1999 1992 1999 Variação (%)
Pobres
Total 41 34 57.329 52.866 -8
Brancos 29 23 22.109 19.008 -14
Negros 55 48 35.099 33.638 -4
Indigentes*
Total 19 14 27.130 22.329 -18
Brancos 12 8 8.966 6.861 -23
Negros 29 22 18.092 15.374 -15
Fonte: IPEA, com base nas PNAD 1992 e 1999
Nota : o número de indigentes está incluído no número de pobres, e não deve ser somado a eles.
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Trabalho Infantil
Brasil: Incidência de trabalho precoce, por cor, 1999
% de crianças que trabalham
5 a 9 anos 10 a 14 anos
Pretos e pardos 3,0 14,0
Outros 1,8 8,7
Fonte: IPEA, com base no PNAD, IBGE
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Brasil: Porcentagem de crianças de 5 a 9 anos que trabalham
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Fonte: IPEA, com base no PNAD, IBGE
Condições Habitacionais
Porcentagem de domicílios com características indesejáveis, 1992 010203040506070Material não-durávelAltadensidadeÁguaInadequadaEsgotoInadequadoSem energiaelétricaSem coletade lixoNegrosBrancos
Porcentagem de domicílios com características indesejáveis, 1999
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0102030405060Material não-durávelAltadensidadeÁguaInadequadaEsgotoInadequadoSem energiaelétricaSem coletade lixoNegrosBrancos
Porcentagem de domicílios brancos com características indesejáveis, 1992 e 1999 05101520253035Material não-durávelAltadensidadeÁguaInadequadaEsgotoInadequadoSem energiaelétricaSem coleta delixo19921999
Porcentagem de domicílios negros com características indesejáveis, 1992 e 1999
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010203040506070Material não-durávelAltadensidadeÁguaInadequadaEsgotoInadequadoSem energiaelétricaSem coletade lixo19921999
Domicílios negros por domicílios brancos com características indesejáveis, 1992 e 1999 050100150200250300350400450Material não-durávelAltadensidadeÁguaInadequadaEsgotoInadequadoSem energiaelétricaSem coletade lixo

Povos indígenas

ÍNDIOS DO BRASIL
Cultura Indígena, História dos Índios brasileiros, arte indígena, índios isolados, línguas indígenas
São considerados de origem asiática. A hipótese mais aceita é que os primeiros habitantes da América tenham vindo da Ásia e atravessado a pé o Estreito de Bering, na glaciação de 62 mil anos atrás. Pesquisas arqueológicas em São Raimundo Nonato, no interior do Piauí, registram indícios da presença humana, datados de 48 mil anos . O primeiro inventário dos nativos brasileiros só é feito em 1884, pelo viajante alemão Karl von den Steinen, que registra a presença de quatro grupos ou nações indígenas: tupi-guarani, jê ou tapuia, nuaruaque ou maipuré e caraíba ou cariba. Von den Steinen também assinala quatro grupos lingüísticos: tupi, macro-jê, caribe e aruaque. Atualmente estima-se que sejam faladas 170 línguas indígenas no Brasil.
jesuíta catequizando índios
Estima-se que, em 1500, existiam de 1 milhão a 3 milhões de indígenas no Brasil. Em cinco séculos, a população indígena reduz-se aos atuais 270 mil índios, o que representa 0,02% da população brasileira. São encontrados em quase todo o país, mas a concentração maior é nas regiões Norte e Centro-Oeste. A Funai registra a existência de 206 povos indígenas, alguns com apenas uma dúzia de indivíduos. Somente dez povos têm mais de 5 mil pessoas. As 547 áreas indígenas cobrem 94.091.318 ha, ou 11% do país. Há indícios da existência de 54 grupos de índios isolados, ainda não contatados pelo homem branco.
índios kaiapó defendem suas terras no Pará
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No início da colonização , os índios são escravizados. O aprisionamento é proibido em 1595, mas a escravização, a aculturação e o extermínio deliberado continuam e resultam no desaparecimento de vários grupos. A primeira vez em que é feita alusão ao direito dos índios à posse da terra e ao respeito a seus costumes é em 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) pelo marechal Cândido Rondon . Em 1967, o SPI é substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Na década de 70, surgem Organizações Não-Governamentais (ONGs), que defendem os direitos indígenas.
Sociedade e cultura – Os grupos indígenas do Brasil têm costumes, crenças e organização social diferentes entre si, mas algumas características são comuns à maioria dos grupos. O mais comum é o aldeamento pequeno, compreendendo de 30 a 100 pessoas. A vida nas aldeias é regida por um complexo sistema de parentesco que, por sua vez, comanda desde as relações de gênero (homem-mulher) até as relações de troca e divisão do trabalho. Relacionada à sua organização social, cada aldeia geralmente possui uma complexa cosmologia (conjunto de crenças a respeito da estrutura do universo), em que são classificados os seres humanos, os animais e os seres sobrenaturais. Relacionados de maneiras peculiares a cada grupo, esses elementos muitas vezes servem como “chaves” para antropólogos explicarem as diferenças e semelhanças entre os diversos grupos indígenas brasileiros.
Interior de uma casa tupinambá
Legislação – A Constituição Federal promulgada em 1988 (ver Constituições brasileiras) é a primeira a trazer um capítulo sobre os povos indígenas. Reconhece os “direitos originários sobre as terras que (os índios) tradicionalmente ocupam”. Eles não são proprietários dessas terras que pertencem à União, mas têm garantido o usufruto das riquezas do solo e dos rios.
A diversidade étnica é reconhecida, bem como a necessidade de respeitá-la. É revogada a disposição do Código Civil que considerava o índio um indivíduo incapaz, que precisava da proteção do Estado até se integrar ao modo de vida do restante da sociedade.
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Índios Txucarramãe
Nos anos 90, começa a regularização das terras indígenas prevista pela Constituição. O governo Fernando Collor determina a demarcação de 71 ha em 13 estados e autoriza a criação de uma área de 9,4 milhões de ha para os Ianomamis. Homologa 22 áreas em oito estados e a demarcação do Parque Nacional do Xingu. O governo Itamar Franco realiza 19 homologações de terras indígenas e 39 delimitações. No primeiro ano do governo Fernando Henrique, o processo foi quase paralisado e o governo prepara um substituto legal que contorne a alegação de inconstitucionalidade das demarcações. Metade das áreas indígenas não está homologada e 80% delas sofrem algum tipo de invasão. A principal disputa envolvendo essa questão continua sendo a exploração de minerais e a posse da terra.Até os anos 80, vigorava a previsão do desaparecimento dos povos indígenas, devido à continuidade dos casos de assassinatos, doenças provocadas pelo primeiro contato com o branco e deslocamentos para terras improdutivas. Atualmente, constata-se uma retomada do crescimento populacional.
Línguas indígenas no Brasil
Línguas que se desenvolveram no Brasil há milhares de anos, com total independência em relação às tradições culturais da civilização ocidental. Atualmente existem cerca de 170 línguas indígenas no Brasil, faladas por aproximadamente 270 mil pessoas, concentradas sobretudo na região amazônica. Até hoje são conhecidos dois troncos lingüísticos (tupi e macro-jê), 12 famílias que não pertencem a nenhum tronco (caribe, aruaque, arawá, guaicuru, nambiquara, txapakura, panu, catuquina, mura, tucano, makú, yanomámi), e dez línguas isoladas, que não estão agrupadas em nenhuma família.
A família mais numerosa do tronco tupi é a tupi-guarani, cujas línguas (19 no total) são faladas por 33 mil índios, localizados em sua maioria nas áreas de floresta tropical e subtropical. Nessa família, o guarani (15 mil falantes) e o tenetehara (6.776 falantes) destacam-se entre os demais idiomas. No tronco macro-jê, a família mais numerosa é a jê, que compreende línguas (8 no total) faladas principalmente nos campos de cerrado. As mais populosas são a caingangue (10.426 falantes) e a xavante (4.413 falantes). Os outros idiomas que predominam no país são o tucüna (18 mil falantes, língua isolada); o macuxi (15.287 falantes, família caribe); o terena (9.848 falantes, família arauaque); e o yanomám (6 mil falantes, família yanomámi).
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Urna funerária tupinambá
Influência na língua portuguesa – O português sofreu grande influência das línguas nativas, especialmente do tupinambá, a língua de contato entre europeus e índios. O tupinambá foi amplamente usado nas expedições bandeirantes no sul do país e na ocupação da Amazônia. Os jesuítas estudaram a língua, traduziram orações cristãs para a catequese e o tupinambá se estabeleceu como língua geral, ao lado do português, na vida cotidiana da colônia. Desta língua indígena, o português incorpora principalmente palavras referentes à flora (como abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, capim, sapé, taquara, peroba, imbuia, jacarandá, ipê, cipó, pitanga, maracujá, jabuticaba e caju), à fauna (como capivara, quati, tatu, sagüi, caninana, jacaré, sucuri, piranha, araponga, urubu, curió, sabiá), nomes geográficos (como Aracaju, Guanabara, Tijuca, Niterói, Pindamonhangaba, Itapeva, Itaúna e Ipiranga) e nomes próprios (como Jurandir, Ubirajara e Maíra). Em 1757, o tupinambá foi proibido por uma Provisão Real. Nessa época, o português se fortaleceu com a chegada no Brasil de um grande número de imigrantes vindos da metrópole. Com a expulsão dos jesuítas do país, em 1759, o português fixou-se definitivamente como o idioma do Brasil.
Cerimônia tupinambá
Extinção das línguas – Estima-se que antes da colonização européia do Brasil o número de línguas indígenas no país era mais do que o dobro do atual. Todas as línguas que ainda existem correm sério risco de extinção devido ao pequeno contingente de falantes. A grande maioria da população indígena foi exterminada pelos colonizadores ou morreu vítima de epidemias decorrentes do contato com o homem branco. Atualmente um outro fator decisivo na extinção das línguas nativas é a perda de territórios, que obriga os índios a migrarem para as cidades, abandonando as suas tradições e modos de vida. A falta de documentação e registros escritos que possibilitem o estudo das línguas nativas também contribui para o seu desaparecimento.
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Entre as línguas já extintas encontram-se o manitsawá e o xipáya (ambas da família juruna), na primeira metade do século XX; as línguas da família camacã (tronco macro-jê), no século XX; e da família purí (tronco macro-jê), no século XIX. A língua kirirí (tronco macro-jê) extinguiu-se apesar de ter sido fartamente estudada e documentada no final do século XVII. Os últimos membros dessa tribo, situada no norte da Bahia, só falam português. As línguas mais ameaçadas atualmente são o maco (língua isolada), com apenas um falante; o baré (família aruák), também com um; o umutina (família bororo), com um falante; o apiacá (família tupi-guarani), com dois; o xetá (família tupi-guarani), com cinco falantes; o coaiá (língua isolada), com sete falantes; o júma (tupi-guarani), com nove falantes; o katawixí (família katukina), com 10 falantes; o parintintín (família tupi-guarani), com 13 falantes; o cararaô (tronco macro-jê), com 26 falantes; e o sabanê (família nambikyara), com 20 falantes.
barcos indígenas em batalha
As reservas indígenas são, atualmente, os principais locais de preservação da cultura e das línguas nativas brasileiras. As mais conhecidas são a dos Yanomámi e o Parque Indígena do Xingu. A primeira, localizada nos estados de Roraima e do Amazonas, é uma das maiores em extensão territorial, com 9.664.975 ha. Concentra 9.300 índios, que falam várias línguas da família yanomámi (ninám, sanumá, yanomám e yanomámi). No nordeste do Mato Grosso está o Parque Indígena do Xingu. As 17 tribos que vivem no local evitam a extinção de suas línguas, preservando entre elas o txucarramãe (família jê), o caiabi (família tupi-guarani), o kamayurá (família tupi-guarani), o txkão (família caribe) e o trumai (língua isolada).
FONTE :ALMANAQUE ABRIL – ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA EM MULTIMÍDIA, ABRIL MULTIMÍDIA, 1997

Interessante

Gênero e Juventude ST. 1
Shirlei Rezende Sales do Espírito Santo1
UFMG
Palavras-chave: Gênero – Juventude – Violência
Juventude e gênero: as brigas entre alunas e seus significados2
Este trabalho descreve e analisa um episódio de briga entre duas alunas do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública, discutindo os conflitos entre elas, que há tempos conviviam com disputas e injúrias, as quais culminaram em uma briga. Nesse episódio é possível analisar como se dá a produção do feminino no interior da escola. No trabalho, analiso os significados produzidos, bem como as ações que decorreram de cada episódio, mostrando como esses significados vinculam-se aos desdobramentos das práticas. Esta discussão é especialmente importante, porque traz o tipo de prática definido pelos/as alunos/as como violência na escola, evidenciando seu caráter negativo e ameaçador.
A escola investigada
A pesquisa de campo foi realizada no ano 2000 em uma escola pública estadual que ministra exclusivamente o ensino médio atendendo a um público prioritariamente jovem, localizada nas proximidades do centro de Belo Horizonte e circundada por bairros de classe média. Do ponto de vista dos serviços urbanos, pode-se dizer que a referida escola localiza-se em uma região privilegiada. Trata-se, pois, de uma escola tradicional, quase centenária. Em sua origem, destinavase à formação de professores/as, no clássico curso de magistério de nível médio. Ainda nos dias de hoje, goza de uma alta reputação e prestígio junto à população da cidade de modo geral. Sendo uma escola de renome, ela faz parte do sonho e do ideal de muitas famílias que buscam lá encontrar o verdadeiro “paraíso” para onde enviar seus/suas filhos/as. Desse modo, chamarei a escola pesquisada de Paraíso3 a fim de discutir as expectativas produzidas pelos/as sujeitos – tanto alunos/as, como professores/as – em torno do nome e do prestígio da escola e também a desilusão de muitos deles ao depararem-se com a realidade da escola, principalmente com as dificuldades que ela enfrenta.
Paraíso é uma escola de grande porte, com trinta turmas em cada um dos dois turnos de funcionamento. No ano da pesquisa eram mais de 2500 alunos/as matriculados/as. No período da manhã o prédio do Paraíso é utilizado pelas turmas de outra escola localizada no mesmo quarteirão. Assim como algumas escolas da cidade, Paraíso convive com mais duas escolas e, juntas, as três ocupam um quarteirão com aproximadamente 8000 alunos/as no total. O espaço físico da escola pesquisada é altamente imponente. Tem um belo jardim na entrada e no hall principal. Ali encontram-se belas esculturas e uma escada de mármore que dá acesso às salas de aula do 2º andar.
Há um enorme e suntuoso auditório que é freqüentemente alugado a terceiros, constituindo uma importante fonte geradora de recursos próprios. Há uma sala de música que, além do tradicional piano, abriga uma grande televisão e um aparelho de vídeo cassete, funcionando como espaço audiovisual. Existe um laboratório antigo que pode ser utilizado em aulas práticas. Para as aulas de educação física, que acontecem apenas no diurno, a escola utiliza três boas quadras. Há ainda uma piscina olímpica que, devido às dificuldades de limpeza e manutenção, não é utilizada. Com essa breve descrição, verifica-se que o espaço físico da escola pesquisada destaca-se entre a maioria das escolas públicas brasileiras e também constitui um importante elemento a alimentar o sonho de muitas famílias de que seus filhos lá estudem e encontrem o verdadeiro “paraíso”.
Neste trabalho analiso algumas práticas que transgrediam as normas da escola, entendendo que os fatos aconteciam de forma processual, sendo importante apreender os desdobramentos que se seguiam, relacionando tudo aos depoimentos colhidos em inúmeros e diferenciados momentos. Busquei ler os significados produzidos articulando as falas ditas em tempos distintos. Só assim foi possível entender que a uma mesma prática eram atribuídos os mais diferentes significados dependendo do sujeito, e que esse mesmo sujeito diferenciava o significado produzido para aquela prática dependendo do momento em que falava dela.
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Desse modo, os episódios que analiso são práticas culturais uma vez que funcionam a partir do significado para elas produzido. Cada ação tem um sentido e é esse sentido o responsável para que aquele ato aconteça. Como bem nos lembra Hall (1997), “todas as práticas sociais, na medida em que sejam relevantes para o significado ou requeiram significado para funcionarem, têm uma dimensão cultural” (p. 32). Busquei, portanto, compreender os significados produzidos pelos sujeitos para as práticas observadas, entendendo que a tarefa do/a pesquisador/a é compreender o sentido da ação dos sujeitos e que a análise científica é uma interpretação das explicações que os sujeitos constroem para seus atos a partir dos discursos culturais (Geertz, 1989; Souza, 2000).
Produzindo o feminino
Dilma e Magali, agora no 3º ano, estudavam juntas desde o 1º ano na escola. Desde essa época Dilma era hostilizada por Magali e seu grupo alegando que Dilma era “metida”. Dilma acredita que era invejada pelo grupo que sempre “comentava” sobre suas roupas e seu trabalho. Além disso, alguns/algumas alunos/as, não pertencentes aos mesmos grupos que as duas, alegavam que Dilma era invejada por ser “bonita” e admirada pelos rapazes da sala. Essas desavenças culminaram numa briga física entre as duas, na cantina da escola, no 1º horário do dia. Magali bateu com a cabeça de Dilma na mesa, na parede e no chão da cantina, chegando a quebrar seus óculos. Depois disso, Dilma seguiu a sugestão da orientadora e mudou de escola (Extraído do diário de campo).
Na sala de aula, Ana, orientadora educacional, diz à turma que o fato daquela noite tinha sido “desagradável” e que costuma “atender a esse tipo de caso, no pré-escolar”. Ela infantiliza e banaliza o episódio. A própria Magali, posteriormente, em entrevista, lança mão dessa perspectiva e produz um significado bastante semelhante ao da orientadora, dizendo que sua briga com Dilma “foi um ato de infantilidade. Uma bobeira. Devia ter deixado passar”.
Ana então conclui que “mulher tem obrigação de ser doce, delicada” e que “isso foi muito feio!” As brigas entre mulheres são vistas como uma negação da “natureza feminina”. As ocorrências deste tipo são avaliadas como uma ruptura com a “ordem natural”. Os discursos relativos a essas brigas estão repletos de adjetivos do tipo “feio”, “absurdo”, “vulgar” etc. No caso das mulheres, o julgamento do ato não se restringe ao caráter pejorativo que uma briga assume, ao contrário, está em jogo também a feminilidade das jovens. E a própria Magali incorporou isso em seu discurso dizendo, em entrevista, que a briga foi “muita baixaria! Porque eu acho feio duas mulheres se pegar, e brigar”.
As diferenças de gênero, tratadas em termos hierárquicos, pautam-se em um essencialismo que visa atribuir uma natureza biológica a diferenças e desigualdades sociais historicamente instituídas (cf. Bourdieu, 1995). Não se trata de negar as diferenças biológicas e sim de entender que essas diferenças são lidas em termos hierárquicos em que as características da mulher são apresentadas como inferiores, justificando sua posição na sociedade. O “ser mulher” está repleto de uma série de condutas esperadas as quais são permanentemente vigiadas e cobradas, como a “obrigação de ser doce, delicada”. As práticas que por ventura rompam com os padrões de conduta feminina são tidas como uma negação da ordem feminina. Dentre essas práticas, brigar na escola é, sem dúvida, uma das mais censuradas. Ao reconhecer essa censura, as mulheres acabam agindo de acordo com as condutas esperadas, sendo a transgressão ao instituído algo abominável e extremamente vergonhoso (cf. Louro, 1997), ou nas palavras da orientadora e de Magali: “feio”, “baixaria”.
Os desdobramentos
Magali continuou freqüentando as aulas normalmente, ao passo que Dilma só voltou à escola seis dias depois do fato. No dia seguinte à briga, a mãe de Dilma teria dito que a filha não voltara à escola por estar “envergonhada”. A mãe chegou dizendo que a tiraria da escola por achar “perigoso” a sua permanência lá e não teria “sossego” aguardando a filha em casa à noite. Diante disso, Ana disse que se Dilma não tivesse “clima” para ficar na turma seria “melhor” sair da escola.
Thereza, diretora, ao repreender o grupo que se desentendia com Dilma, disse que não aceitava justificativas, pois “neste ano” não permitiria “gangue na escola”. Ao ouvir isso, Magali se indigna: “nós não somos gangue, eu nunca mexi com isso! (...) Gangue mata as pessoas, fuma maconha. Eu não mexo com isso!” Mas Thereza se mantém firme, lembra os problemas que a escola enfrentou no ano anterior: “Todo dia tinha polícia na escola. Eu não vou permitir que vocês ameacem os outros!”
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As alunas, por sua vez, saem pelos corredores reclamando do fato de terem sido acusadas de formar gangue, e retornam à sala de aula debochando do assunto da gangue. Grande parte da sala debocha junto com elas. Todos/as parecem achar graça da punição de suspensão, especialmente da exigência da presença dos pais, afinal Magali é a única delas que ainda é “menor de idade”. Paula disse estar “adorando ficar uns dias em casa descansando”.
Quando Thereza se refere à “gangue” para retomar o quadro que a escola vivenciou no ano anterior, acaba utilizando de maneira imprecisa o termo. A mídia norte-americana tem atuado no sentido de produzir uma imagem muito negativa sobre as gangues, ao insistir sobre a agressividade de seus membros (cf. Sánchez-Jankowski 1997). Thereza parece produzir um significado negativo e ameaçador para as práticas ocorridas na escola naquele ano. Talvez por isso tenha usado um termo com a mesma conotação para descrever o contexto vivido.
Segundo Guimarães (1997), os grupos juvenis no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, embora se inspirem nas gangues de rua norte-americanas, não possuem o mesmo nível de organização e são, portanto, por ela definidos como galeras. Ao remeter-se ao termo gangue Thereza provoca em Magali e suas amigas uma indignação, pois elas entendem aquele termo como referente à criminalidade, ligada a assassinatos e ao narcotráfico, o que elas repudiam prontamente. Todas as alunas suspensas produziram o significado de injustiça para o tratamento dado pela direção ao episódio. Alegaram que não foram ouvidas, que a direção não deu crédito aos seus argumentos. Esse significado foi compartilhado por parte da turma, mas outra parte considerou a punição correta.
Na hora do recreio, na sala dos/as professores/as, Pedro, professor de química disse que esse ano está melhor, pois no ano passado foi ameaçado por alunos/as dizendo que iam “trazer faca e revólver” para ele. Ele também se refere a episódios isolados e não fala em gangues na escola, como Thereza. Pedro acha “Dilma tão quietinha” e considera que “o caso deve ser punido exemplarmente”. Se fosse ele “faria exame de corpo delito e meteria um processo na aluna e na escola. Ser espancado na escola?!” Conclui que não vai falar nada porque considera que não tem “nada com isso!” E foi exatamente o que aconteceu, nem ele e nenhum/a outro/a professor/a tocou no assunto em sala de aula. O silêncio, assim como a “vista grossa”, o fingir que não viu e não sabe de nada é, sem dúvida, uma das estratégias mais utilizadas pela escola no que se refere às mais diversificadas práticas transgressoras. Inicialmente não compreendia o porquê daquele silêncio, não entendia por que os/as professores/as não traziam aquelas questões para a sala de aula, por que não faziam delas objeto do conhecimento a ser desenvolvido e trabalhado na escola. Mas aos poucos fui compreendendo que a violência e outros temas como sexualidade, drogas, gravidez, aborto, racismo, etc., muitas vezes são silenciados em sala de aula em decorrência dos mais diferenciados motivos, desde o despreparo docente, até práticas excludentes que deixam de fora do currículo em ação temas como esses (cf. Paraíso, 1995). Outro ponto a ser observado é que o silêncio acerca de práticas consideradas violentas pode ser uma tática de proteção. É como se ao deixar de falar a respeito delas, de certa forma, as afastasse dos sujeitos, protegendo-os (cf. Das, 1999).
A única vez que conversei com Dilma, ela contou a sua versão da briga. Nesse dia ela falou por quase uma hora sem parar, pareceu-me um desabafo. Disse que sairia mesmo da escola, pois considera que o episódio “foi muita humilhação”. Ela já teria manifestado o desejo de sair do Paraíso no início deste ano letivo por causa dos constantes insultos que vinha sofrendo. Contudo Dilma tinha ido estudar lá justamente por ser um sonho de sua mãe que considerava o Paraíso “uma escola muito boa”. Para Dilma “Ana é muito calma” e não tomou as medidas devidas, sendo necessário que a mãe interviesse para que Thereza suspendesse as alunas de aula. Quando a mãe de Dilma veio à escola, Thereza teria dito que não tinha como garantir a segurança de sua filha e chegou a sugerir que a mãe viesse assistir às aulas junto com a filha para tomar conta dela, o que Dilma achou que seria vergonhoso.
O fato é que Dilma mudou de escola tão logo terminaram as provas bimestrais. Depois da conversa que tivemos, tentei insistentemente marcar uma entrevista com ela, que se recusou sutilmente. O trabalho do tempo neste caso parece-me ter produzido em Dilma uma dimensão “não narrativa” da violência vivenciada (cf. Das, 1999). Como se a dor e a humilhação vividas fossem intrinsecamente incomunicáveis, afinal “o encontro com a dor não é algo que se possa enfrentar friamente” (ibid. p. 39). O silêncio de Dilma e de vários outros sujeitos da escola parece constituir uma censura ao que é possível e cabível ao comportamento humano, além do significado do afastamento e da não narração como tática de proteção, que já discuti anteriormente.
Já Magali não se recusou a falar e, meses depois, foi por mim entrevistada. Além da entrevista tive outras oportunidades de ouvir Magali, como no dia em que ela e o colega comentavam
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a briga, no corredor. Ele considera que Magali “bateu pouco” em Dilma. Magali, então, concluiu que isso é a única coisa da qual se arrepende, embora considere que seja “feio duas mulheres brigarem”, mostrando que a censura a esse comportamento dissonante ao feminino permanece firme e imune ao trabalho do tempo.
A rede de fofocas alimentava a rivalidade entre o grupo de Magali e o de Dilma. A separação da turma em “panelas” favorecia o clima de disputa entre os/as alunos/as. As provocações entre os/as estudantes caracterizam o que os estudos ingleses denominam de bullying, mais especificamente o bullying verbal em que os sujeitos nomeiam outros por meio de palavras injuriosas. Ao agredir corporalmente Dilma, Magali praticou o que os ingleses classificam de bullying físico ou hurt (cf. Peignard, Roussier-Fusco e Zanten, 1998).
É interessante notar que esse tipo de prática pode não ser caracterizada como violência pois não opõe o sujeito à instituição escolar, e sim indivíduos entre si (cf. Peignard, Roussier-Fusco e Zanten, 1998), mas é justamente esse tipo de prática que os/as jovens do Paraíso nomeiam como violência na escola. Magali, em entrevista, chega a incluir o episódio por ela protagonizado no rol daquelas práticas que, para ela, significam violência. Quando perguntei se existe violência na escola, ela disse: “Existe. Existe, sim, porque, aqui ó, primeiro: aqui já teve aluno que entrou armado, a violência de eu ter batido na Dilma. Então, existe, sim, violência na escola, sim.”
Para os/as alunos/as entrevistados/as as brigas entre os/as estudantes têm o significado de violência na escola. Já para os/as teóricos/as franceses, a violência refere-se à esfera dos crimes e delitos, opondo os sujeitos à instituição escola. Por que as brigas assumem o significado de violência para a juventude? O que há de tão negativo nessas práticas que os/as fazem defini-las dessa forma? Ao mesmo tempo, porque escolhem a escola para colocá-las em ação? Talvez justamente porque a temem tanto, esperam encontrar na escola alguém que intervenha e os/as proteja de alguma forma, que zele por sua integridade, que não permita que o ato assuma proporções descontroladas. Ao mesmo tempo, é na escola que Dezinho e Magali têm os pares como espectadores de sua grande força e coragem, de sua alta capacidade de subjugar alguém que teima em se apresentar como melhor do que eles/as. No caso de Magali, Dilma é a “metida” usa roupas atraentes, é paquerada e cobiçada pelos rapazes, tem um trabalho que desperta o interesse e a curiosidade de colegas e professores/as.
Mas por que brigar na escola? Parece que a escola assume um lugar ambíguo. Ao mesmo tempo em que, por vezes, apresenta-se como algo que exclui e despreza os/as jovens, é o lugar em que, de alguma forma, consideram-se protegidos/as e seguros/as, a ponto de só se arriscarem em uma prática perigosa dentro dos muros escolares. Mas quando essa crença na proteção é rompida, o caminho é abandonar a escola,como Dilma.
Inquieta-me também o fato de que todos/as os/as alunos/as entrevistados/as tenham definido, como violência, as brigas. Para os/as mais diferentes jovens apenas esse tipo de evento que acontece na escola tem o significado de violência. E justamente esse tipo de acontecimento é pouco discutido pelos estudos sobre violência na escola. Fukui (1992), por exemplo, tem uma visão oposta à dos/as jovens participantes da pesquisa, pois não reconhece as brigas como violência, afirmando que “agressões físicas, brigas, conflitos podem ser expressões da agressividade humana, mas não são necessariamente manifestações de violência” (p. 103). Alguns trabalhos como o de Peralva (1997) reconhecem, no entanto, que a parte mais considerável de violência na escola refere-se às relações dos/as alunos/as entre si e assume a forma de brigas e insultos. Ela reconhece ainda que, embora importantes para o entendimento da violência na escola, as brigas e os insultos são de difícil explicação.
Além disso, não seriam as brigas uma expressão da cultura contra-escolar, uma maneira que alguns/algumas jovens encontram de resistir ao tédio da escola? Não seriam as brigas eventos de máxima emoção e risco e por isso mesmo tão perigosas? Contudo, o próprio Willis (1991) que trata as mais diversas práticas de transgressão como formas de oposição, nomeia as brigas como violência. Esse tipo de prática é, pois, o evento considerado por alunos/as e alguns/algumas teóricos/as (cf. Willis, 1989 e Peralva 1997) como violência na escola.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Educação e Realidade. Porto Alegre: UFGRS, 1995. v. 20. n. 2. p. 133-184.
DAS, V. Fronteiras, violências e o trabalho do tempo: alguns temas wittgensteinianos. Revista
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Brasileira de Ciências Sociais. 1999, n. 40. v. 14. p.31-42.
FUKUI, L. Segurança nas escolas. In.: ZALUAR, A. (Org.) Violência e educação. São Paulo:
Cortez Editora, 1992. p. 103-124.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
GUIMARÃES, E. Juventude(s) e periferia(s) urbanas. Revista Brasileira de Educação. n. 5 e 6, 1997. p. 199-208.
HALL, S. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação e Realidade. 22 (2). 1997. p. 15-46.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação – uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
PARAÍSO, M. A. O currículo em ação e a ação do currículo na formação do/a professor/a. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1995.
PEIGNARD, E.; ROUSSIER-FUSCO, E.; ZANTEN, A. V. La violence dans establishments scolaires britanniques: approches sociologiques. Revue Française de Pédagogie. Avril – mai – juin,
1998. n. 123. p.123-151.
PERALVA, A. Escola e Violência nas periferias urbanas francesas. Contemporaneidade e Educação. n. 2. set. 1997. p.7-25.
SÁNCHEZ-JANKOWSKI, M. As gangues e a imprensa: a produção de um mito nacional. Revista Brasileira de Educação. n. 5 e 6, 1997. p. 180-198.
SOUZA, J. V. A. Igreja, educação e práticas culturais: a mediação religiosa no processo de produção/reprodução sociocultural na região do médio Jequitinhonha mineiro. Tese de doutorado. PUC-SP, 2000.
WILLIS, P. Aprendendo a ser trabalhador – escola, resistência e reprodução social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
1 Doutoranda do PPG Educação da FaE/UFMG, sob orientação da Dra. Marlucy Alves Paraíso e Membro do GECC (Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículos e Culturas da FaE/UFMG).
2 Este trabalho é uma versão, ligeiramente modificada, de parte da minha dissertação de mestrado, que tem por título: “Oposição, diversão e violência na escola – os significados produzidos para práticas culturais de transgressão”, sob orientação do Dr. Luiz Alberto de Oliveira Gonçalves, defendida na Faculdade de Educação da UFMG, 2002.
3 Por questões éticas, todos os nomes utilizados neste trabalho são fictícios.
FONTE: http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/S/Shirlei_Rezende_Sales_do_Espirito_Santo_01.pdf
Educação a

terça-feira, 12 de outubro de 2010

" quando me amei de verdade compreendi que em qualquer circunstancia, eu estava no lugar certo,na hora certa,no momento exato. E entao pude relaxar.hoje sei que isso tem nome...Auto-estima.Quando me amei de verdade,pude perceber que ninha angustia,meu sofrimento emocional, nao passa de um sinal que eu estou indo contra as minhas verdades. Hoje sei que isso e Autenticidade. Quando me amei de verdade, parei de desejar que minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo que acontece contribui para o meu crecimento. hoje chamo isso de...Amadurecimento. Quando me amei de verdade, comecei a perceber como e ofensivo tentar forçar alguma situaçao ou alguem apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que nao e o momento ou a pessoa nao esta preparada,inclusive eu mesmo. Hoje sei que o nome disso e ....Respeito. Quando me amei de verdade comecei a me livrar de tudo que nao fosse saudavel. Pessoas ,tarefas, tudo e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De inicio minha razao chamou esta atitude de egoismo. hoje sei que se chama...Amor-proprio. Quando me amei de verdade, deixei de temer o meu tempo livre e deissti de fazer grandes planos,abandonei os projetos megalomanos de futuro.Hoje faço o que acho certo, o que gosto ,quando quero e no meu proprio ritimo. Hoje sei que isso e...Simplicidade. Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre sempre ter razao e , com isso,errei menos vezes. Hoje descobri a ...Humildade. Quando me amei de verdade,desisti de ficar revivendo o passado e de preocupar com o futuro.Agora, me mantenho no presente, que e onde a vida acontece.hoje vivo um dia de cada vez. Isso e...Plenitude. Quando me amei de verdade, percebi que minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas quando a coloco a serviço do meu coraçao, ela se torna uma grande e valiosa aliada. Tudo isso e...SABER VIVER!!!!!!!!!!!!!!!!!!! " (charles chaplin ). "Impossível é apenas uma grande palavra usada por gente fraca, que prefere viver no mundo como está, em vez de usar o poder que tem para mudá-lo. Impossível não é um fato. É uma opinião. Impossível é hipotético. Impossível é temporário". sou congruente e não gosto de rotina, comodidade!
Se o inimigo for invencível, alie-se à ele!!. "Cuidado com aquele que tem a língua doce e uma espada na cintura. Um inimigo declarado é perigoso, mas um falso amigo é pior." provérbio chinês. Meu signo: Personalidade onde se caracteriza Extroversão, iNtuição, Sentimento, e Percepção (ENFP) normalmente referido como “O Filósofo Social”.
Perdoe seus inimigos, mas jamais esqueça o nome deles. Provérbio árabe.
A vida pode não ser a festa que desejamos, mas deveriamos aproveita-la dançando e sorrindo.
O sucesso geralmente vem para aqueles que estão muito ocupados para ficar procurando por ele

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Antropólogo descreve "era das identidades múltiplas"

Em entrevista à DW-WORLD.DE, Constantin von
Barloewen fala das diferenças culturais entre as
Américas, descreve o ensaio como gênero literário
latino-americano por excelência e aposta numa
nova sociedade intercultural.
Constantin von Barloewen é professor de Antropologia Comparada da Escola
Superior de Design e Artes de Karlsruhe. Nascido em 1952 em Buenos Aires,
cresceu na Argentina e na Alemanha, deu aulas em várias universidades da Europa
e dos EUA e vive atualmente em Paris.
É autor de diversos livros, como Clown. Por uma Fenomenologia do Tropeço (Clown.
Zur Phänomenologie des Stolperns), História da Civilização e Modernidade na
América Latina (Kulturgeschichte und Modernität Lateinamerikas) e o recémpublicado
na Alemanha Antropologia da Globalização (Anthropologie der
Globalisierung). Leia abaixo a íntegra da entrevista com o escritor.
DW-WORLD.DE: Em seu livro Antropologia da Globalização, o senhor afirma que a
cultura latino-americana se distingue essencialmente da norte-americana, seja na
visão da morte, da natureza ou mesmo nas relações entre os gêneros. O diálogo
entre essas culturas é possível?
Constantin von Barloewen: Esse diálogo é, no mínimo, bastante difícil, porque
todas as constantes antropológicas – se é que se pode dizer assim – entre as
culturas latino e norte-americana são completamente distintas. A América Latina se
caracterizou até o século 19 pela Escolástica católica, muito metafísica, espiritual e
transcedental. Esse transcedentalismo se opõe à tradição cultural norte-americana
pragmática, empírica, lógica e analítica.
Quando foram fundadas as primeiras universidades na América Latina, no fim do
século 15 e início do 16, no México e no Peru, que formações eram oferecidas?
Além de Medicina, estudava-se Teologia, Filosofia, Ciências Humanas. E quase
nenhuma ciência natural ou empírica. Ao contrário da América do Norte, onde,
quando da fundação das primeiras universidades (Harvard, Princeton, Yale, etc),
cem anos depois da América do Sul, foram oferecidas, de início, formações em
Física e Química, por exemplo – ciências úteis e aplicáveis.
Obviamente a diferença hoje não é tão clara como no início
do período coloonial, isso é claro. Mas se você pensa nos
mal-entendidos, ou melhor, na falta de compreensão da
administração norte-americana em relação à América
Latina, essas diferenças ainda são visíveis. A falta de
compreensão da América do Norte frente à América do Sul
não se dá somente devido a fatores econômicos ou
Constantin von Barloewen:
diferenças culturais em foco
Educação a Distância – Antropologia – Aula 09
políticos, mas é, do ponto de vista antropológico, resultado de uma história cultural,
de vários séculos, completamente distinta entre as duas partes do continente.
Hoje, porém, a América Latina mobiliza-se cada vez mais através do Mercosul, por
exemplo, ou na oposição à Alca, a zona de livre comércio. Os sul-americanos
simplesmente não querem mais ser apenas mercados receptores dos produtos
norte-americanos. Hoje, forma-se cada vez mais uma identidade latino-americana
frente à hegemonia norte-americana.
Na sua opinião, o culto ao vencedor não faz parte da cultura latino-americana como
faz da norte-americana. O senhor diz que a América Latina, ao contrário, cultua mais
a "dignidade do derrotado". Poderia citar exemplos concretos que comprovem esse
hipótese?
Quando você toma os conceitos de pobreza e dignidade como constantes
antropológicas, há de se lembrar, por exemplo, das grandes obras de Diego
Velásquez [pintor espanhol, 1599–1660], nas quais um derrotado ou um pobre ainda
pode manter sua dignidade, mesmo não sendo materialmente rico. Isso seria
impensável na cultura norte-americana, que preza os grandes números, a vitória, o
sucesso material.
O senhor descreve uma certa "falta de lugar" do latino-americano, que, entre outros,
seria visível na literatura do continente. Poderia citar exemplos?
Penso nas primeiras obras de Ortega y Gasset. Ele esteve em 1917 pela primeira
vez na América Latina, viajou pela Argentina e escreveu maravilhosamente sobre os
"horizontes abertos", que o impressionaram muito. Penso também em Octavio Paz
com seu Labirinto da Solidão, em Borges com seu conto maravilhoso O Sul. E penso
também em filmes como os de Fernando Solanas sobre o sul ou de Carlos Sorín,
diretor argentino, com seu belíssimo O Cachorro (Bombón, el perro). Essa falta de
lugar, que é sempre associada ao sul, é específica da literatura e da arte latinoamericanas.
O senhor descreve o ensaio como sendo uma forma de expressão latino-americana
por excelência. Esse pensador ensaísta não existe da mesma forma no Velho
Mundo?
É claro que existem exemplos europeus de pensadores. No
entanto, a especificidade do latino-americano está nessa
coesão do pensamento entre literatura, política e ciência, na
mistura dessas três formas e também na relação com
questões sociais, com questionamentos sobre a justiça.
Carlos Fuentes, Octavio Paz, Pablo Neruda, Miguel Ángel
Asturias ou Guimarães Rosa (este último no Brasil) – foram
diplomatas. Todos, de certa forma, oscilavam entre a política
e a literatura. Ou seja, mesmo diante de todos os exemplos
europeus, continuo a acreditar que este tipo de pensador é
uma especificidade latino-americana.
Seus textos em Antropologia da Globalização se aproximam muito da forma do
ensaio. Suas descrições da pequena comunidade de Sosua, na República
Dominicana, chega a se assemelhar a um roteiro cinematográfico. O senhor acredita
que redige seus textos desta forma devido às suas raízes latino-americanas?
João Guimarães Rosa: um
entre os vários diplomatasescritores
latino-americanos
Educação a Distância – Antropologia – Aula 09
Com certeza. Embora seja preciso dizer que o caráter literário do texto sobre Sosua
foi uma opção consciente. Quando estive na Universidade de Harvard, em 1982, fui
convidado a ir à República Dominicana. Sosua era, naquela época, uma província
completamente desconhecida, cheia de imigrantes judeus. Hoje, o lugar se tornou,
infelizmente, quase um ponto turístico.
De forma geral, acredito que a inteligência intuitiva é muito superior e se aproxima,
no fim das contas, mais da empiria. Não acredito na chamada objetividade científica
nas ciências humanas, como a conhecemos nas ciências naturais. A inteligência
intuitiva é para mim, como antropólogo, muito importante.
O senhor afirma em seu livro acreditar que a América Latina pode se tornar "um
exemplo, no futuro, da superação das cancelas religiosas ou raciais" para o resto do
mundo. No entanto, em vários países, como no Brasil, o racismo é inerente à
sociedade.
Tenho consciência de que o Brasil não é, de forma alguma, apenas
a democracia étnica descrita com um excesso de otimismo por
Gilberto Freyre nos anos 1930. Por outro lado, não acredito mais
num mundo sob a hegemonia norte-americana, mesmo quando
eles insistem em espalhar canhões, como fizeram no Iraque.
Acredito num mundo multipolar, num mundo de arquipélagos, como
a América Latina já conhece há muito tempo. A América Latina é
caracterizada por uma lógica híbrida (talvez seja possível explicar
desta forma), onde o logos e o mito se unem e onde não há lugar
para um logocentrismo puro, para o racionalismo e para o
utilitarismo como na América do Norte.
O senhor diz acreditar na "incompatibilidade entre a cultura latino-americana e as
exigências de uma civilização tecnológica“. O que o senhor quer dizer exatamente
com isso?
A compatibilidade entre tecnologia e cultura é distinta nas Américas do Norte e
Latina. Da mesma forma como a esprititualidade também é uma outra, o que leva a
uma ética de trabalho também distinta. O caráter retórico da Constituição
democrática ilustra a situação. Na América Latina, copiou-se muito da Europa, mas
tudo aquilo era só papel, maculatura.
O continente tem, até hoje, uma relação debilitada com a modernindade. E as
constituições têm, com freqüência, até hoje, um caráter meramente retórico, sem
que haja uma identidade entre Constituição e realidade. É como uma cobertura
sobre o bolo. O bolo é a herança cultural dos 400 anos. A modernidade é apenas a
calda que cobre, mas não chega a adentrar o bolo.
Há em determinadas regiões da América Latina uma forma circular de lógica e uma
outra forma de racionalismo, outras metáforas antropológicas. Pacha mama, a mãe
natureza, tem outros significados. A natureza não está lá para ser militarmente
subjugada, como na América do Norte, mas o homem precisa se curvar à ela, devido
a seu caráter sagrado. A modernidade, neste caso, é, para mim, o mesmo que
violentar a tradição cultural.
Antropologia da
Globalização', de
Constantin von
Barloewen
Educação a Distância – Antropologia – Aula 09
O senhor defende uma identidade que seja fortemente permeada pela
interculturalidade. As tendências políticas na Europa, pelo menos em relação ao
não-europeu, parecem seguir outro caminho. Como o senhor vê essa situação?
Acredito que haja cada vez mais gente que não tem mais
uma raiz, mas sim um entrelaçamento de raízes e
identidades. Vivemos numa civilização na qual há cada vez
mais pessoas viajando – através do turismo, viajar se tornou
relativamente barato. É possível pertencer a diversas
culturas ao mesmo tempo.
Há identidades múltiplas e o homem não será nunca mais
membro de uma determinada cultura. Um habitante da
Indonésia, por exemplo, pode ser ao mesmo tempo
muçulmano, cidadão indonésio e amante da música clássica ocidental. Um japonês
pode facilmente amar os filmes neo-realistas italianos.
Na civilização atual, temos automaticamente várias identidades. Este é o ponto: a
identidade intercultural é sempre mais do que uma ou outra identidade. Ela é um
terceiro fator, algo novo muito mais abrangente, porque abarca em si várias
identidades e tradições culturais distintas.
O senhor cita Relato de um Certo Oriente, romance do escritor brasileiro Milton
Hatoum, como uma obra de traços transculturais, onde se cria uma ponte entre
Ocidente e Oriente. Tais cenários híbridos são também possíveis no chamado Velho
Mundo?
Acho que sim. Quando você pensa nos milhões de africanos do norte do continente
que vivem hoje na França, ou nos paquistaneses e hindus em Londres ou nos
mexicanos na América do Norte, percebe que está havendo uma deslocamento
elementar.
A provável eleição de Barack Obama à Presidência dos EUA é somente a expressão
dessa mudança de paradigmas, dessa nova atribuição de significado do mundo
multipolar. Obama como negro na Presidência iria simbolizar uma nova civilização.
Uma mudança geopolítica de paradigmas não apenas na economia, mas também
em toda a postura étnica dos EUA. Ele pode se transformar no rosto antropológico
de uma nova civilização mundial.
Soraia Vilela | www.dw-world.de | © Deutsche Welle.
Dw-world.de Deutsche Welle - Disponível em: . Acesso
em: 24 de set. 2010, 15:00:00