TAXA DE JUROS E INFLAÇÃO*
Desde que foi adotada a política de metas inflacionárias, a taxa de juros tem sido fonte de intensos debates na imprensa e no meio acadêmico. Para alguns, a taxa básica de juros, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom), inibe os investimentos produtivos, pois estaria muito elevada (apesar de ter diminuído no período recente). Para outros, o patamar atual em que se encontra essa taxa é necessário para impedir a elevação da inflação. Entre a população usuária do “cheque especial” e de outras modalidades de empréstimo, é difícil encontrar quem não reclame dos juros cobrados. Mas, o que é a taxa de juros?
“A taxa de juros é a remuneração pela renúncia à liquidez. Quando o banco paga juros a mim porque depositei dinheiro nele, ele está pagando a minha renúncia à liquidez, pois estou abrindo mão de moeda legal, de que eu posso dispor a qualquer momento, para ter um depósito bancário, que tem liquidez um pouco menor” (Singer, 1995, p.105).
O que é renunciar à liquidez? Liquidez é a facilidade que se tem de trocar uma mercadoria (algo que possui um valor de troca) por outra. O dinheiro pode ser considerado uma mercadoria. Para comprar um par de sapatos, um agricultor utiliza parte de sua colheita de feijão. Mas ele não leva os quilos de feijão correspondente ao sapateiro (não seria nada prático e nem sempre aceito pelo sapateiro). O agricultor primeiro troca o feijão por dinheiro. Isto é, vende o feijão para o dono de um mercado, por exemplo. Com esse dinheiro, ele se dirige ao sapateiro e compra um par de sapatos. Por sua vez, o sapateiro troca parte desse dinheiro por um quilo de feijão. O dinheiro é, então, uma mercadoria aceita como meio de troca universal, pois em todo o território nacional qualquer mercadoria comercializada pode ser trocada pela moeda de nosso país ( que, desde 1994, é o Real). Isto é, dinheiro é a mercadoria com liquidez mais elevada.
Quando alguém empresta o dinheiro para outra pessoa em troca de uma promissória, está renunciando à liquidez que só o dinheiro tem. A liquidez da promissória é menor do que a do dinheiro, pois não é possível, por exemplo, fazer compras no supermercado com ela. Vejamos no exemplo.
Se esse agricultor quiser comprar um trator para aumentar a produtividade de sua propriedade e não tiver a soma de dinheiro disponível naquele momento, vai necessitar de crédito. As operações de crédito permitem que a pessoa receba uma mercadoria que só vai precisar pagar depois. Essa mercadoria pode ser o dinheiro, que o agricultor pode pegar emprestado no banco e com ele adquirir o trator. Ou pode ser o próprio trator, que o agricultor compra financiado. Nos dois casos, o agricultor deu em troca da mercadoria uma “promissória”, isto é, uma promessa de pagamento. Essa promessa de pagamento tem uma liquidez menor do que o dinheiro, já que só poderá ser trocada por este após um determinado período. O agricultor paga um preço em troca dessa liquidez imediata, isto é, paga juros.
Para ter lucro, um comerciante vende as mercadorias por um preço maior do que o pago por ele. Os bancos também fazem isso, pagando taxas de juros menores pelas aplicações que fazemos no banco do que a cobrada quando tomamos um empréstimo. Chama-se de spread bancário a diferença entre a taxa de juros paga pelos bancos e a taxa de juros cobrada por eles . No spread bancário estão incluídos, além do lucro do banco com essas operações, custos administrativos, impostos e os custos com inadimplência. O spread bancário varia de banco para banco, podendo ser influenciado pela concorrência entre eles.
Entre os determinantes das taxas de juros utilizadas por bancos e financeiras, está a taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia). A Selic é a taxa básica de juros, taxa paga pelo governo por títulos públicos que ele vende. O título público é como se fosse uma “promissória” que o governo emite e vende. Ao comprar um desses títulos, a pessoa ou empresa está “emprestando” dinheiro ao governo. A taxa Selic serve de referência para a determinação das demais taxas de juros do país.
Como é determinada a taxa de juros? O governo fixa metas para a taxa básica de juros. Através do Copom, o governo determina em que patamar deve ser mantida a taxa de juros Selic por um determinado período. Cabe aos responsáveis pela execução dessa política, garantir, através da negociação diária de títulos, que a meta seja atingida .
Mas, qual a relação da taxa de juros com a inflação? A inflação é a alta persistente de diversos preços. Entre os fatores que podem afetar a inflação, está o nível da demanda. Quando a demanda aumenta, sem que haja um correspondente aumento da oferta, a tendência é que os preços aumentem. Por exemplo, vamos supor que a produção mensal de pão francês seja de 1.000 unidades, mas existem 2.000 pessoas querendo comprar. Os vendedores podem aproveitar para aumentar os preços, pois entre esses 2.000 consumidores pode haver aqueles que se dispõem a pagar mais. Uma das formas de aumentar a demanda é através do crédito (empréstimos bancários, financiamentos).
Quando a taxa de juros está baixa, mais indivíduos tomam dinheiro emprestado (ou realizam financiamentos) para adquirir bens e serviços. Por exemplo, se é lançada uma linha de crédito imobiliário com juros baixos, muitas pessoas vão aproveitar para realizar o sonho da casa própria. Com isso, a demanda por imóveis aumentará e pressionará os preços para cima. Quando isso ocorre em diversos setores, a inflação pode aumentar.
A inflação também pode ser provocada pelos custos. Por exemplo, a elevação do barril do petróleo no mercado internacional encarece os custos de diversos produtos. Além disso, em setores em que há pouca concorrência, os preços estão menos sujeitos às oscilações da demanda e mais às estratégias adotadas pelas empresas.
A taxa de juros influencia o volume de investimentos produtivos realizados no país. Quando um indivíduo ou uma empresa possui um determinado montante de recursos e deseja obter um retorno com sua utilização, vai decidir se investe no setor produtivo (abrindo empresas novas, ampliando a capacidade produtiva de empresas existentes) ou no sistema financeiro. O investimento que der um maior retorno financeiro, vai ser o escolhido. Se as taxas de juros estão muito elevadas, é possível que os investidores prefiram aplicar seu dinheiro no sistema financeiro, em detrimento do setor produtivo. Com isso, o país gera menos riquezas e menos empregos. Ao restringir a demanda, uma taxa de juros elevada também desestimula os investimentos produtivos. As empresas temem ampliar sua capacidade produtiva se não há uma expectativa de aumento da demanda.
A taxa de juros tem sido uma das ferramentas utilizadas pelos governos nos últimos anos para controlar a inflação em nosso país. A inflação, é importante lembrar, pode trazer conseqüências graves para o país, corroendo o poder de compra dos cidadãos.
Através da política de metas inflacionárias, que vem sendo adotada no Brasil desde 1999, o governo estabelece um nível de inflação que deve ser atingida ao final do ano. Com base nessa meta, o Banco Central define políticas, entre elas a da taxa de juros. Desde que foi implantado o regime de metas inflacionárias, a taxa de juros tem sido o principal instrumento utilizado.
Discute-se hoje se a política de metas inflacionárias adotada em nosso país não deveria ser mais flexível, possibilitando níveis de inflação um pouco mais elevados, de forma a propiciar um maior crescimento econômico:
“Os defensores do regime de metas inflacionárias dizem que não aceitam qualquer inflação – porque esta reduz a renda do trabalhador mais pobre já que este não tem acesso ao sistema financeiro e, assim, não pode se defender da inflação. Ora, é verdade que a inflação reduz a renda real dos mais pobres, mas a elevação da taxa de juros retira toda a renda do trabalhador ao deixá-lo sem emprego. É preciso que seja dada, por parte do Governo, a mesma atenção ao combate à inflação (manutenção da renda real do trabalhador) e ao combate ao desemprego (eliminação da renda real do trabalhador). A inflação não pode ser controlada com a elevação do desemprego" (Sicsú, s/d – grifos no original).
Além disso, se níveis elevados de inflação não são desejados, a deflação (redução do nível de preços) certamente é ainda mais temida. Quando a deflação persiste, tende a haver retração dos investimentos e recessão (diminuição da atividade econômica), com fechamento de empresas e de postos de trabalho.
Juros e regulamentação do sistema financeiro
A política de juros de um país tende a interferir significativamente no crescimento e nos rumos da economia. Entretanto, essa política não está descolada do resto do funcionamento da economia. Um exemplo disso é a crise financeira internacional que se alastrou pelo mundo a partir de 2007.
Ao longo da década de 1990 e no início dos anos 2000, os Estados Unidos mantiveram as taxas de juros em patamares baixos, pois a inflação estava sob controle e desejava-se estimular o crescimento econômico. Essa política contribuiu para o crescimento dos EUA nesse período. Entre 2004 e 2007, preocupadas com a alta da inflação, as autoridades monetárias dos EUA elevaram a taxa básica de juros de 1% para 5,25%. Essa alta da taxa de juros acabou funcionando com um “estopim” para a crise financeira, que já vinha sendo gestada desde a década de 1980, quando iniciou-se a liberalização financeira nos EUA. A tese que estava por trás dessa liberalização é a de que o mercado se auto-regula, não sendo desejada nem aconselhável a intervenção do Estado. Essa tese fazia parte do pensamento econômico majoritário desde então até o eclosão da crise.
A liberalização, que desregulamentou o setor financeiro nos EUA, acirrou a competição entre os tradicionais bancos comerciais e outras instituições financeiras e permitiu que fossem assumidos e repassados riscos muito elevados. O acirramento da competição, somado aos juros baixos, fez com que a rentabilidade de bancos e financeiras fosse menor do que a almejada. Uma das alternativas criadas por essas instituições para aumentar seus lucros foi ampliar o mercado de crédito, especialmente o imobiliário, tornando menos rígidos os critérios para concessão de empréstimos.
Quando uma instituição concede um empréstimo, faz uma análise de risco para avaliar se o tomador do empréstimo pagará ou não sua dívida. A redução de exigências permitiu que o mercado se amplia-se significativamente, aumentando muito o número de empréstimos concedidos e aquecendo o setor imobiliário, já que agora mais pessoas tinham a possibilidade de comprar sua casa. Por outro lado, fez com que fossem concedidos empréstimos a um perfil de tomador com maior dificuldade para pagar suas dívidas (com histórico de inadimplência, sem renda garantida etc.), conhecido como subprime. Muitos desses empréstimos tinham taxas de juros baixas no início que iam se elevando ao longo do tempo. Além disso, o aumento da taxa básica de juros, promovida pelo Fed (Federal Reserve, Banco Central dos EUA) a partir de 2004, fez com que todo o crédito se tornasse mais caro. Muitas das pessoas que haviam tomado empréstimos para comprar sua casa própria ou hipotecado a que possuíam (comum nos EUA), não conseguiram pagar suas dívidas.
O problema, que já seria grave ao atingir as instituições que concederam os empréstimos, tomou dimensões muito maiores em função da chamada securitização e da emissão de derivativos Através desses instrumentos, a instituições que concederam empréstimos ao mercado subprime repassaram essa dívida para outras instituições. Diversos títulos que tinham seus rendimentos atrelados a essas dívidas não foram pagos. Esses títulos já estavam em mãos de agentes econômicos de diversos países e, assim, a crise alastrou-se rapidamente pelo mundo. A crise transformou-se em uma “crise de confiança”, que ocorre quando os agentes econômicos temem não recuperar suas aplicações financeiras ou os empréstimos que concedem.
Algumas instituições financeiras quebraram, as empresas do setor produtivo passaram a ter dificuldades para obter empréstimos e captar recursos na Bolsa de Valores, o crédito ao consumidor ficou mais restrito etc. Quem tem, está “segurando” seus dinheiro, fazendo com que falte liquidez no mercado (dinheiro disponível para empréstimos, por exemplo). Além de mais escasso, o crédito torna-se mais caro. O crescimento de diversas economias, como os EUA e os da Zona Euro, desacelerou. Para impedir que a crise se agrave, os governos ampliaram a liquidez e buscaram reduzir o custo do crédito com medidas como a redução da taxa básica de juros e a injeção de dinheiro na economia (através de empréstimos a bancos etc.).
Esse exemplo ilustra alguns dos limites da política de juros. Nesse caso, a desregulamentação do sistema financeiro fez com que os efeitos da política de juros fossem maiores e diferentes do que teriam sido em outro cenário. Se não tivessem sido concedidos e “repassados” tantos empréstimos de alto risco, provavelmente a política de juros dos EUA apresentasse um resultado diferente.
* Material didático elaborado em 2005 pela Prof. Raquel Vieira Sebastiani. Ampliado em 2008.
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