sexta-feira, 21 de maio de 2010

TV E VÍDEO: LINGUAGEM E TÉCNICAS

Hoje em dia, essas fotos têm sido bastante exploradas. As mesmas instauram de forma subliminar um texto à parte, evidenciando que as imagens no jornal, ao lado da própria diagramação, constituem um plano discursivo autônomo com relação ao plano verbal. Em destaque na primeira página do primeiro caderno, duas fotos - uma do Presidente da República cantando o hino nacional quando da comemoração do aniversário da república e outra do Ministro da Fazenda, Pedro Malan - enquadradas por uma mesma linha de contorno remetem a duas reportagens: a das comemorações e a das negociações do Ministro com o FMI.



A disposição das fotos - uma ao lado da outra enquadradas num mesmo retângulo e com um único texto remetendo às duas matérias diferentes - já leva o leitor a "ver" as duas autoridades no mesmo espaço físico. O que não é verdade: um assiste ao hasteamento da bandeira e o outro discursa na Câmara. Desnecessários se tornam os comentários que chamariam a atenção à expressão do rosto do Ministro, que parece olhar o Presidente, de boca aberta, cantando o hino.



O gesto da mão lembra um gesto obsceno, de alguém que estaria, numa discussão, agredindo com palavrões. A visibilidade desse gesto permite recuperar esse outro campo semântico, e um outro texto a respeito da ida do Ministro ao FMI. O que de interessante há de se observar com esses mecanismos discursivos é que este segundo texto se institui num plano discursivo implícito.
O segundo texto não está dito, mas sugerido pela visibilidade instaurada no plano não-verbal. Logo, as palavras destacadas acima, desde o título da matéria, ganham sentido não pela sua significância lingüística, empírica, e sim pela visibilidade instaurada pelo traços não-verbais, dando lugar, por sua, vez a um texto oculto, não-dito, mas que também está significando. Todo esse processo revela, ainda, por um lado a relação de complementaridade entre o polifônico (o verbal) e o policrômico (o não-verbal) num trabalho de produção de sentidos.

GLOBO RURAL: documentando a realidade

A projeção do real, de verdades indiscutíveis é, com certeza, uma das marcas da TV que também pode ser apreendida em programas jornalísticos do tipo documentário, cujo alcance discursivo é dada a contextualização dos fatos, calçada por inúmeras imagens que ajudam na sedimentação do texto documental produzir "discursos" de cunho verdadeiro.
Uma das definições técnicas de documentário é aquela que o recorta como espaço destinado à documentação da realidade por oposição aos espaços que jogam com a fantasia e a ficção. Nesse espaço, tem-se a ilusão de se estar lidando direto com a realidade, já que há todo um conjunto de discursos sobre a visibilidade da imagem: "as imagens falam por si". Os discursos não são isentos de conseqüências, e uma de suas crenças mais imediatas reside na ficção da visibilidade, aquela que sustenta a ilusão de que é possível ver tudo. As imagens estão sempre sujeitas às injunções de ordem jurídica e institucional que selecionam tudo aquilo que pode e não pode ser visto. A TV, com recursos de edição e de enquadre das imagens, usados freqüentemente para sustentar esses discursos, empresta-lhes um caráter de verdade. O programa realiza um documentário sobre o "Batizado do Milho", ritual promovido pelos índios Bakairi. Merece destacar, porém, a voz em off que costura todas as imagens mostradas; até mesmo durante os cantos e as danças, o locutor narra a visibilidade das imagens.
Para cada imagem mostrada, ele dá uma explicação, fazendo crer que o sentido é aquele que ele propõe; com isso as imagens acabam por ganhar a visibilidade instituída pelo olhar da emissora. Durante a festa, a lenda é relembrada e comemorada com danças e ritos que evocam antigas entidades míticas. Uma dessas danças, a do bacururu kapa, é mostrada no GLOBO RURAL.
Com o mesmo ritmo e os mesmos movimentos se afastam do centro e acabam percorrendo todo o contorno da praça principal da Aldeia. As imagens são descritas com as narrativas em off do repórter, até que a reportagem termina quando está sendo mostrada a dança. Aos poucos a câmera vai se aproximando e, em close, focaliza a menina por trás fechando o plano nas suas nádegas. A voz em off acompanha a edição das imagens com o seguinte comentário: "A dança tem um claro apelo à fertilidade."


Difícil não assinalar a intenção do repórter que atribui à dança toda uma conotação que não tem, quando transporta para uma cultura estranha tabus, preceitos e valores de uma outra sociedade, de um outro mundo. O seu texto fala de um "claro apelo à fertilidade", o que indica uma relação de dissenso com a imagem que, em close, mostra as nádegas da jovem que dança. Fertilidade? Ou sensualidade? É o controle sobre o que se deve ver; enfim, a instituição da visibilidade e a construção da realidade. Aqui, a voz em off ocupa o intervalo entre o representado e a representação.
A minha conclusão é que o estudo da imagem, como discurso produzido pelo não-verbal, abre perspectivas comumente não abordadas nas análises mais recorrentes. Abre-se a possibilidade de entender os elementos visuais como operadores de discurso, condição primeira para se desvincular o tratamento da imagem através da sua co-relação com o verbal e de se descartarem os métodos que "alinham o verbal pelo não-verbal".
Analisar a imagem como discurso permite ainda entender como funcionam os discursos sobre a imagem; discursos que vêm corroborando o mito da informação (evidência do sentido), aliado a um outro mito - o da visibilidade (a transparência da imagem), os quais são fundados nos e pelos aparelhos mediáticos que produzem a assepsia da comunicação, e do próprio acontecimento discursivo, no caso, à mercê dos esforços que procuram despi-lo ao máximo da sua complexidade.

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